07 jul Repelente e cosméticos são desenvolvidos a partir de processo inovador da Unicamp
Texto por Sarah Schmidt
Foto por Pedro Amatuzzi
Um novo processo de extração de bioativos das folhas da Artemisia annua foi desenvolvido nos laboratórios da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas. O método, que economiza água e trabalha com CO2 reutilizado da indústria, permite que sejam extraídos três bioativos de uma mesma quantidade da matéria-prima. A partir de dois deles, a S Cosméticos do Bem, empresa-filha da Unicamp, que participou do processo de invenção e licenciou a patente, desenvolveu três produtos dermofitocosméticos sustentáveis: uma loção repelente que diminui impactos dermatológicos como alergias e dermatites; um sérum facial rejuvenescedor com potencial cicatrizante e um sérum antiacne que diminui lesões e tem potencial de redução de cicatrizes. Além disso, produtos com potencial anticoronavírus estão em fase de testes.
Planta tradicional na medicina chinesa, a Artemisia annua possui propriedades farmacêuticas e cosméticas. Em 2015, a cientista chinesa Youyou Tu ganhou o Prêmio Nobel de Medicina por ter conseguido isolar a artemisinina, principal componente ativo da artemísia, não volátil, utilizado em medicamentos para tratamento da malária. Já nos produtos desenvolvidos pela empresa de dermofitocosméticos sustentáveis, são aproveitados os óleos essenciais, componentes voláteis e os não voláteis da artemísia.
O processo inovador, desenvolvido sob orientação da professora Maria Angela de Almeida Meireles Petenate, da FEA, aplica tecnologia supercrítica, que não emprega solventes poluentes.
“O método permite que os três bioativos sejam extraídos em etapas diferentes de um mesmo processo, com variações de temperatura e pressão, utilizando a mesma massa de folhas secas e trituradas de artemísia”, explica a docente.
Durante todo o procedimento, são utilizados apenas água e CO2 – este último, obtido de unidades de captação, já reutilizado de processos industriais (como, por exemplo, da indústria sucroalcooleira). Além disso, durante todas as etapas de extração, estima-se que a emissão de CO2 seja de 2%, número considerado baixo.
Além disso, destaca Maria Angela, outro diferencial da tecnologia desenvolvida na Unicamp é que, após a extração dos compostos, ainda é possível utilizar o resíduo da artemísia para a retirada da famosa artemisinina, que pode ser usada em futuros produtos dermofitocosméticos antimaláricos e antivirais. “Antigamente, quando se falava em produto natural, se empregava uma matéria-prima para cada produto. Hoje não é mais assim e foi isso que implementamos aqui: adotamos a engenharia econômica do processo, que acopla a parte técnica e econômica para usar a matéria prima o máximo possível. Se continuarmos estudando, poderemos obter outros produtos deste resíduo”, avalia a professora. A Inova, Agência de Inovação da Unicamp, realizou o pedido de patente da tecnologia e tratou do licenciamento com a empresa.
Primeiro estoque de produtos já está vendido
O método patenteado permitiu a extração das frações bioativas batizadas de “fitotechR”, com atividade repelente comprovada; “fitotechAC”, com propriedades antienvelhecimento e cicatrizantes; e “fitotechAM”, com propriedades antimaláricas e antivirais.
“Usamos temperatura e pressão para agregar biomoléculas e microcomponentes da matéria-prima vegetal. Nossa tecnologia sustentável otimiza a eficácia e a segurança dos produtos, apresentando baixo impacto ambiental”, conta a CEO e fundadora da S Cosméticos do Bem, Soraya El Khatib.
Durante o processo de pesquisa, o projeto contou com o apoio do PIPE-FAPESP e FINEP.
Os produtos desenvolvidos a partir dos compostos extraídos da artemísia têm propriedades terapêuticas relevantes para a saúde pública. O primeiro deles, uma loção repelente contra mosquitos, tem potencial de diminuir o impacto de problemas dermatológicos, como dermatites. De acordo com Soraya, doutora em Biologia Molecular e Funcional pela Unicamp, o produto é efetivo, inclusive, contra o Aedes aegypti, transmissor da dengue, febre amarela, chikungunya e do vírus zika.
Do segundo composto, fitotechAC, foi possível elaborar dois produtos. Um deles é um sérum facial rejuvenescedor com potencial de cicatrização, que pode ser aplicado no tratamento de psoríase, queimaduras entre outras alterações dermatológicas. Já o terceiro, o sérum antiacne, também tem propriedade cicatrizantes. “ De acordo com os testes de eficácia, em 28 dias ele reduz significativamente as lesões da pele”, conta Soraya.
A terceira fração bioativa, que, segundo a CEO, é comercializável, está sendo utilizada para o desenvolvimento de novos produtos com ação anticoronavírus, uma vez que inibiu 99,9% a replicação do SARS-Cov-2 in vitro. Esse projeto é realizado em parceria com o SENAI Inovação e com o Laboratório de Virologia Animal do Instituto de Biologia (IB), coordenação da professora Clarice Weis Arns. “Nós integramos a força-tarefa da Unicamp no combate à Covid-19 e estamos com os testes em andamento. Pretendemos desenvolver Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) impregnadas com o produto, como máscaras e roupas, aplicando nanotecnologia, assim como produtos cosméticos e fitoterápicos”, explica a CEO.
Com o objetivo de garantir sustentabilidade ao longo de toda a cadeia de produção, a empresa fez uma parceria com o SENAI Inovação e, após a extração, a sobra de material vegetal – a biomassa da artemísia – será reaproveitada para a criação de biomateriais, como placas de construção e biofilmes.
O primeiro lote do sérum rejuvenescedor, que estará pronto no segundo semestre de 2020, já está vendido e teve alta procura por dermatologistas, enfermeiros e demais profissionais da saúde. A previsão é que os demais produtos estejam disponíveis para o público em 2021.