07 jul Pesquisadores da Unicamp desenvolvem teste de parasitos intestinais mais eficaz
Texto por Ana Paula Palazi
Foto por Pedro Amatuzzi
Imagine um mundo onde quase metade da população esteja infectada por organismos que invadem o corpo do hospedeiro, se multiplicam, debilitam a pessoa e podem até levá-la à morte. Os parasitos intestinais são um problema de saúde pública e um desafio para as autoridades sanitárias. O exame parasitológico de fezes é o único nas rotinas dos laboratórios de análises clínicas, público e privado, que ainda é feito de forma totalmente manual, com o uso de técnicas de diagnóstico centenárias, como a sedimentação espontânea que data de 1919, e análises visuais passíveis de erro humano, sobretudo pela falta de conhecimento de todos agrupamentos parasitários e cansaço dos profissionais de microscopia.
Com uma parceria consolidada com a Unicamp há mais de uma década, a startup Immunocamp Ciência e Tecnologia Ltda., empresa coirmã do grupo BioBrasil, têm atuado no desenvolvimento de técnicas mais confortáveis, rápidas e eficazes para o processamento de fezes humanas e de animais que incluem a automatização. O TF-Test (Three Fecal Test) foi a primeira etapa do desenvolvimento. Uma técnica composta por um kit parasitológico mais discreto, sensível e prático para laboratórios e pacientes, já disponível no mercado.
O apoio a estruturação do negócio por meio do processo de incubação da Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp, e a interação interdisciplinar com a academia – envolvendo diferentes áreas de atuação, bem como, medicinas humana e veterinária, computação, química, biologia e engenharia mecânica industrial – resultou em outras cinco patentes. Todas depositadas junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com suporte da Agência de Inovação Inova Unicamp.
Um dos três licenciamentos mais recentes é um inédito exame parasitológico das fezes. A técnica usa o princípio de Flotação por Ar Dissolvido (FAD). Este procedimento já é usado amplamente em outras áreas, como a mineração, na separação de sólidos e líquidos para extração de ferro, por exemplo, e por empresas de saneamento na área de tratamento de água e esgoto.
“Nós temos um problema sério no diagnóstico de parasitos intestinais: quando a gente quer concentrar parasitos e separar as impurezas, essencial para um bom diagnóstico, utilizamos muitos elementos químicos altamente saturados. Eles acabam, de certa forma, destruindo as espécies de parasitos mais sensíveis”, explica o inventor Jancarlo Ferreira Gomes, que atualmente é credenciado como professor e orientador na pós-graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM) e também é pesquisador do Instituto de Computação (IC) da Universidade.
O invento consiste em criar uma corrente de microbolhas em meio líquido que suspende e separa os parasitos em uma área de interesse diagnóstico. Com isso, se obtém um material mais limpo, reduzindo as impurezas e os compostos químicos agressivos que podem falsear os resultados. Os pesquisadores já conseguiram mais de 90% de aderência para o agrupamento dos helmintos e cerca de 50% de eficiência com protozoários.
O próximo passo é integrar a tecnologia a um outro sistema patenteado da Universidade, validado em laboratório por meio de um projeto que recebeu aportes do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), celebrado em convênio com a Immunocamp Ciência e Tecnologia Ltda e sob a coordenação de Jancarlo. A patente resultada principalmente de duas orientações de doutorado do Dr. Jancarlo faz parte de um Projeto Temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), coordenado pelo docente do Instituto de Computação, Alexandre Falcão O Diagnóstico Automatizado de Parasitos Intestinais (DAPI) é o único instrumento integrado de leitura e diagnóstico parasitológico no mundo capaz de entregar resultados por imagens.
“A primeira versão industrial foi apresentada para a comunidade médica internacional no final de 2019 e no início de 2020, durante as Feiras Médicas realizadas em Dusseldorf, na Alemanha e Medlab em Dubai, nos Emirados Árabes. O equipamento tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para comercialização e deve chegar aos laboratórios das redes públicas e privadas de saúde ainda este ano”, afirma Fábio Freitas, diretor de produtos da Immunocamp e do Grupo BioBrasil.
Avanços na saúde pública
Outras duas patentes também criam novos protocolos laboratoriais de fácil execução e bom custo-benefício para adoção nas rotinas dos laboratórios e em programas de saúde pública, permitindo avanços no estudo epidemiológico de dois importantes parasitos endêmicos em regiões tropicais. O TF-Test Coccidia, é baseado no desenvolvimento de um procedimento de concentração e uma composição corante que, aliada à técnica parasitológica já disponível, permite a detecção qualitativa em exames de oocistos do parasito Cryptosporidium spp, causador de uma doença cosmopolita denominada criptosporidíase.
“Lidamos com resultados de contribuição social. Essa é uma área negligenciada, mas essencial. Por falta de diagnóstico, nós não sabemos estimar qual é a ocorrência desses bichos no Brasil. As técnicas usadas para a detecção deste parasito são trabalhosas, demoradas e altamente custosas. Então, na maioria das vezes, os laboratórios não aplicam”, avalia Jancarlo. A nova tecnologia que está em fase de validação laboratorial simplifica o processo. A pesquisa também contou com parceria da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual Paulista (UNESP), de Araçatuba, com as colaborações da professora Katia Denise Saraiva Bresciani e da Dra. Sandra Valéria Inácio.
Já o TF-Test Quantified, é específico para a detecção quantitativa de ovos de Schistosoma mansoni, verme causador da doença conhecida como barriga d’água em algumas regiões do país. Os inventores propõem um fator de conversão mais sensível na contagem de Ovos Por Grama (OPG) de fezes, em comparação com as técnicas convencionais de contagem utilizadas em programas governamentais. A esquistossomose atinge 220 milhões de pessoas no mundo e no Brasil, é considerada endêmica e persistente em 19 estados.
Esta técnica, que contou com financiamento de uma bolsa de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), para a aluna Bianca Martins dos Santos, pode ainda estender o diagnóstico qualitativo para as 15 espécies de protozoários e helmintos intestinais humanos mais prevalentes do país, permitindo que programas epidemiológicos tenham acesso à levantamentos parasitológicos completos da população a partir de um único exame.
Com a automatização, os laudos ainda vão poder ser emitidos com a foto do parasito encontrado, aumentando a confiança no diagnóstico.
“Países como Rússia, onde ainda tem uma prevalência alta dessas doenças, África e até os Emirados Árabes se mostraram interessados em implantar o sistema DAPI. Nós também estamos em conversas com o Ministério da Saúde para inclusão dos novos métodos na tabela SUS e em programas de saúde pública”, revela o empreendedor.