09 jun Nanopartículas feitas de óleos de cozinha são aposta no combate ao colesterol
Texto: Ana Paula Palazi
Foto: Pedro Amatuzzi
Os problemas de coração são os que mais matam no país. Dois óbitos são registrados a cada três minutos. E até o fim do ano, a Sociedade Brasileira de Cardiologia estima que 400 mil pessoas sejam vítimas de problemas cardíacos no país. 18,4 milhões de brasileiros estão com altos níveis de colesterol no sangue, o que é considerado um fator de risco.
Preocupada com esses números, a startup Cognita Technology – formada por alunos e ex-alunos da Unicamp – trabalha com nanotecnologia para aumentar a oferta de alimentos funcionais que ajudam no controle do colesterol. Pensando nisso, foi desenvolvida uma nova tecnologia, já patenteada, que usa nanoestruturas lipídicas, feita de óleos convencionais, para carrear compostos bioativos em alimentos, mantendo sua estabilidade sem promover alterações indesejadas nos produtos onde são adicionados.
Esses compostos são fitoesteróis, esteróis vegetais, naturalmente presentes em alguns grãos e óleos, como por exemplo, na soja. Eles atuam como redutores do colesterol sanguíneo, pois competem com o esterol de origem animal, o colesterol, no momento da absorção. Estão presentes também, em outros alimentos de origem vegetal, mas em pequenas proporções. Desta forma, a quantidade de fitoesteróis consumida pelas pessoas ainda fica muito abaixo do recomendado para a redução dos níveis de colesterol sanguíneo.
As nanopartículas com fitoesteróis foram desenvolvidas durante a pesquisa de doutorado da química de alimentos, Valeria da Silva Santos, orientada em parceria pelas professoras Maria Helena Andrade Santana, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) e Ana Paula Badan Ribeiro, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), da Unicamp. O pedido de patente foi feito junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Agência de Inovação Inova Unicamp que também foi responsável pela licença junto a empresa recém fundada.
Ana Paula explica que existem dois tipos de fitoesteróis na natureza. O esterificado é ligado a uma molécula de ácido graxo e, por isso, é solúvel em óleo, já sendo usado pela indústria alimentícia em apenas uma margarina disponível comercialmente no Brasil. Já o fitoesterol livre é cerca de dez vezes mais eficaz para redução do colesterol, porém insolúvel. Quando adicionado a alimentos, os fitoesteróis livres se cristalizam, precipitam e, em geral, não são incorporados de forma eficaz.
As nanopartículas foram desenvolvidas, justamente, para revestir os fitoesteróis livres e evitar essa cristalização indesejada, o que pode ocasionar a separação de fases nos produtos onde eles são adicionados. Elas são feitas a partir de óleos convencionais como o de soja, canola, girassol e outras gorduras vegetais comestíveis, que também são fontes naturais de fitoesteróis. Segundo Ana Paula, essa é a primeira patente no mundo a usar tal tecnologia:
“A tecnologia não requer nenhuma síntese química, não temos nenhum processo que envolva o uso de solvente. É um processo que está totalmente dentro do contexto da indústria de óleos e gorduras.”, avalia a docente da FEA.
Como funciona
Dispersa numa emulsão de água e óleo, a substância de interesse é atraída para dentro da partícula por afinidade físico-química, após um processo de cisalhamento feito em alta pressão. Já revestidos, os fitoesteróis podem ser incorporados como ingrediente no preparo de diversos produtos, em larga escala; como iogurtes, bebidas lácteas, bebidas vegetais, sucos, entre outros.
As nanopartículas lipídicas podem ainda ser usadas para incorporar outros bioativos, dando margem para o enriquecimento nutricional de alimentos com uma série de outras substâncias funcionais como vitaminas, polifenóis, carotenóides e ômega 3. As nanopartículas de fitoesteróis, feitas a partir de óleo de girassol, já foram testadas num protótipo de iogurte. E o preço final do produto mostrou-se competitivo entre outras opções de iogurtes funcionais disponíveis no mercado.
Valeria, que também é diretora técnica da startup, explica que para a comprovação de segurança das nanoestruturas, elas foram submetidas a testes laboratoriais in vitro e in vivo. Os resultados descartam qualquer perigo ao consumo e a expectativa é que o primeiro produto no modelo B2C (Business to Consumer) seja lançado em 2021 pela startup Cognita Technologies:
“Será um suplemento alimentar para auxiliar na redução de colesterol, na forma líquida, em sachê que poderá ser consumido puro ou adicionado em alimentos. Sendo uma opção versátil, principalmente para pessoas que têm dificuldade de consumir cápsulas gelatinosas.”, comenta Valeria sobre o modelo de negócios da empresa.
A startup, que licenciou a patente em caráter não-exclusivo, também pretende comercializar as nanopartículas enriquecidas com fitoesteróis para empresas interessadas do setor alimentício.
“Elas podem ainda serem usadas em rações para nutrição animal e na indústria cosmética. Para isso, ainda precisamos da aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por se tratar de um produto inovador desenvolvido com nanotecnologia.”, antecipa a empreendedora.