20 ago Expertise patenteada
Por Patricia Mariuzzo
Como obter leveduras mais eficientes no processo de produção de etanol? É possível obter uma variedade de cana que seja tolerante à seca somente em condições de estresse climático? Desenvolver um fármaco que estimule o sistema de defesa do organismo debilitado pelo câncer de bexiga? Estas são algumas das perguntas e desafios que, ao serem enfrentados por pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, resultaram em pedidos de patente depositados ao longo de 2017. O Instituto é a Unidade de Destaque na Proteção à Propriedade Intelectual, uma das categorias do Prêmio Inventores 2018, que é voltada para premiar a unidade da Unicamp com o maior número de pedidos de patentes no ano.
Dos 81 pedidos de patentes feitos pela Unicamp em 2017, há pesquisadores do IB envolvidos em 18 deles. Para Patrícia Leal Gestic, diretora de Propriedade Intelectual da Inova Unicamp, esses números revelam a capacidade do IB de transformar resultados de pesquisa em propriedade intelectual. “São pesquisas com forte apelo industrial e com alto potencial de atender demandas tecnológicas. O volume de patentes do IB mostra que os pesquisadores percebem cada vez mais a importância de proteger o resultado dessas pesquisas”, afirma.
O Instituto de Biologia da Unicamp foi uma das três primeiras unidades de ensino, pesquisa e extensão criadas na Unicamp. É formado por cinco departamentos: Bioquímica e Biologia Tecidual (DBBT); Biologia Vegetal (DBV); Biologia Animal (DBA); Biologia Estrutural e Funcional (DBEF); e Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia (DGEMI). “Temos um perfil forte e consolidado em pesquisa básica, e, ao mesmo tempo, o número de pedidos de patentes tem aumentado ano a ano”, afirma o professor Alexandre Leite Rodrigues de Oliveira, diretor do IB. “Acredito que a infraestrutura da Unicamp, por meio da Agência de Inovação, foi fundamental nesse movimento. A orientação da Inova, antes do depósito, estimula as pessoas, dá segurança e permite que o pesquisador se dedique à sua atividade-fim. Isso é importante porque muitas vezes o pesquisador abre mão de publicar artigos ou de apresentar seus resultados em um congresso, por exemplo”, aponta.
Para o docente, o salto no número de projetos que resultaram em pedidos de patente também é consequência da estrutura do Instituto, que conta com vários laboratórios de ponta e com equipamentos de última geração. “Nós criamos um sistema de compartilhamento de equipamentos on-line. Parece trivial, mas isso favorece o contato entre os diferentes grupos de pesquisa e catalisa parcerias”, revela Rodrigues. “O IB é um ambiente heterogêneo, que suscita parcerias com outras áreas, fazendo a pesquisa avançar mais rápido no sentido de responder a problemas práticos e importantes da sociedade”, afirma Wagner Fávaro, do Laboratório de Carcinogênese Urogenital e Imunoterapia.
O compartilhamento de equipamentos e as parcerias com outros institutos da Unicamp e com outras instituições são uma prática comum entre os pesquisadores que figuram na lista de pedidos de patentes depositadas pelo IB em 2017. “Nosso laboratório é multidisciplinar, com uma estrutura que agrega, além de biólogos, médicos, químicos, farmacêuticos e médicos veterinários. O foco das discussões é o desenvolvimento de soluções para o tratamento do câncer”, conta Fávaro.
Foram três depósitos em 2017. Um deles é a primeira patente brasileira de um fármaco para câncer, o Oncotherad, que poderá ser utilizado para tratar câncer de bexiga, cólon e próstata. “A tecnologia está pronta para o uso em cães. Nos testes que conduzimos houve redução de cerca de 80% do tumor, com melhora da qualidade de vida dos animais e aumento da sobrevida de três para 10 meses”, salienta o pesquisador. A tecnologia também poderá ser licenciada para aplicação em humanos, e neste caso, a empresa se responsabilizará pelos testes clínicos em humanos e pelas fases seguintes, que incluem a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Anvisa. Segundo Fávaro, já existem empresas farmacêuticas interessadas e a Agência de Inovação da Unicamp, a Inova, está coordenando essas negociações.
Inovação para o campo
Para o professor Marcelo Menossi, do Laboratório de Genoma Funcional, um dos fatores que eleva o número de patentes do IB é o diálogo constante com as empresas. “Uma estratégia que eu adotei aqui no laboratório é sempre conversar com as indústrias para entender quais são os seus desafios. A partir daí, pensamos em duas frentes. Primeiramente, esses desafios têm que suscitar pesquisa de alto nível e, em segundo lugar, pensamos sempre na possibilidade de transferir conhecimento da academia para o setor empresarial. São poucos os projetos que iniciamos aqui que não tenham algum tipo de aplicação no futuro”, explica.
Uma das patentes depositadas, por exemplo, é um método de expressão gênica em plantas. Neste caso, o desafio era criar uma variedade de cana resistente à seca, mas que só expressasse essa característica em condições de estresse climático. “Um dos meus alunos descobriu pedaços de DNA que só são ativos quando a planta está em condições de seca. A partir desse passo inicial, desenvolvemos um método de engenharia genética que faz com que essa variedade de cana produza uma proteína que ativa essa característica de resistência só em períodos de escassez”, revela Menossi.
Outra patente do IB, também na área de melhoramento de variedades para a agricultura, foi um vetor para expressar proteínas fluorescentes em células haploides. De acordo com Gleidson Silva Teixeira, biólogo do Laboratório de Genômica e Expressão, o objetivo é obter leveduras mais eficientes no processo de produção de etanol. Mas, por que é preciso fazer uma levedura brilhar? “Quando a gente fala em desenvolvimento de microrganismos em grande escala, essa característica é muito útil porque, ao acoplar isso a outros equipamentos, é possível selecionar células de forma rápida e eficiente. Foi isso que fizemos”, conta Teixeira. Segundo ele, do ponto de vista comercial, o método pode gerar redução significativa de custos para produção em larga escala porque é possível selecionar rapidamente leveduras com as características desejadas.
Novos caminhos
Uma das possibilidades é que uma grande indústria do agronegócio internalize essa tecnologia em seu departamento de P&D, por meio do licenciamento dessa patente. No entanto, Teixeira também vislumbra o empreendedorismo, ou seja, a criação de uma empresa para prestar esse tipo de serviço para empresas. “Há um mercado global para esse tipo de serviço”, projeta. “É uma coisa que eu aprendi aqui no laboratório. Não há inovação de verdade sem empreendedorismo. O ciclo só se completa quando o benefício está de fato na sociedade. Por isso, espero que eu mesmo possa empreender nessa tecnologia”, aposta.
Teixeira é um exemplo de um novo tipo de aluno que o IB também está formando. “No caso do meu laboratório, eu percebo que esse diálogo constante com as empresas vai permeando a formação dos alunos. Os estudantes conhecem regras de sigilo, aprendem a fazer buscas de anterioridade, etc. A maior parte do conhecimento em biotecnologia não está nos artigos, mas nos bancos de patente”, conta Menossi. A formação de mão de obra altamente qualificada é um dos resultados das pesquisas realizadas no IB. “Os alunos que formamos estão sendo absorvidos pelas indústrias para fazer desenvolvimento de produto. Isso me deixa muito feliz”, afirma Fávaro.
Faz parte dessa formação incluir o empreendedorismo entre as opções profissionais desses alunos. “Temos um papel importante no sentido de estimular nosso aluno a desenvolver novos produtos, criar empresas e gerar empregos de qualidade e bem remunerados. Não existe um país desenvolvido sem uma base importante de empresas de base tecnológica. Eu acredito que esse é o caminho para a transformação do nosso país”, finaliza.
Patrocinaram esta edição do Prêmio Inventores: a CCLPI, a Clarke Modet & Co, a Cervejaria Ambev, a FM2S, a Agricef, a Kasznar Leonardos Propriedade Intelectual e a Matera. Para saber mais sobre o Prêmio, acesse: www.inova.unicamp.br/premioinventores
Fonte: Jornal da Unicamp