Num colírio, a esperança

Por Carolina Octaviano

Foto: Pedro Amatuzzi

Atualmente, 13 milhões de brasileiros convivem com a Diabetes, número que representa 6,9% da população do país, de acordo com dados da Sociedade Brasileira de Diabetes. Uma das complicações da doença é a chamada retinopatia diabética, que pode comprometer a visão de pacientes e, em estágios mais avançados, levar à perda total e irreversível da visão. O quadro é consequência de alterações neurais e vasculares na retina, ocasionadas pelo efeito da alta taxa glicêmica (glicose no soro). Mas, se de um lado há a doença e seus desafios, do outro, pesquisadoras da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) e da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp podem ter a solução: um colírio que trata e previne a doença. A boa notícia é que a tecnologia deve chegar à população nos próximos anos.

Hoje em dia, já é possível encontrar outras opções terapêuticas para doença, como a fotocoagulação com laser, as injeções intravítreas e até mesmo cirurgias. Contudo, ao contrário da composição farmacêutica obtida na Universidade, todos estes métodos são invasivos, conforme destaca a pesquisadora Jacqueline Mendonça Lopes de Faria, responsável pelos estudos. “A formulação farmacêutica contida no colírio permeia as barreiras oculares, carreando o princípio ativo até a retina. O colírio que desenvolvemos, por ser em apresentação tópica, não oferece riscos ao paciente”, conta a pesquisadora, que se afastou de suas funções na Unicamp para criar a SIGHT, braço P&D da M. Lopes De Faria Oftamologistas Associados, empresa que licenciou, no ano passado e em caráter não-exclusivo, a tecnologia.

Amplamente noticiada em jornais e noticiários locais e nacionais, em 2016, a tecnologia despertou o interesse da população e de empresas e laboratórios farmacêuticos. A tecnologia, que conquistou recentemente também o Prêmio Empreenda Saúde, é um exemplo claro de como o investimento em pesquisa é capaz de gerar benefícios à sociedade. Entretanto, Jacqueline destaca que a composição ainda se trata de uma tecnologia embrionária e que demanda de desenvolvimento tecnológico complementar até se tornar, de fato, um produto e poder se utilizado em larga escala. “Apesar de várias grandes empresas da indústria farmacêutica terem mostrado interesse na tecnologia, o desenvolvimento de um novo colírio ainda é precoce e depende de novas pesquisas por parte das inventoras”, avalia Jacqueline.

E foi aí que surgiu a ideia do licenciamento para sua própria empresa. “A ideia é que, após novas pesquisas e desenvolvimento tecnológico, grandes empresas farmacêuticas realizem os testes clínicos em humanos e a comercialização do colírio”, completa. Ou seja, a M. Lopes De Faria vai atuar no modelo B2B, Business to Business, fornecendo a tecnologia para que outra empresa passe a comercializa-la e leva-la até os pacientes. “Nosso cliente é a empresa e não o consumidor final”, ressalta.

A expectativa é que o colírio possa ser utilizado em pacientes – tanto na prevenção, quando no tratamento da retinopatia diabética – nos próximos anos. Contudo, ainda há um longo caminho das pedras a ser percorrido, como lembra a pesquisadora e empreendedora. “Precisamos de recursos para realizar testes de segurança aqui no Brasil e no exterior e, depois, montar um dossiê que será encaminhado aos órgãos reguladores para dar início às fases de testes, que envolvem desde segurança até eficiência. Ainda temos um longo caminho pela frente”, frisa Jacqueline.

Um dos desafios da pesquisa está na produção em maior escala para a indústria farmacêutica. “As pesquisas devem convergir para o uso de matérias primas de alto grau de pureza, estabilidade do produto, escalonamento da produção para testes em uma maior população de animais e, posteriormente, em humanos”, complementa a professora Maria Helena Andrade Santana, da FEQ e que também participou do desenvolvimento da composição.

Vale lembrar que o uso da tecnologia já foi testado em ratos de laboratório experimentalmente diabéticos, obtendo resultados promissores. A composição se mostrou eficiente ainda ao promover efeitos protetores na retina funcional. No estudo in vivo conduzido na Unicamp, não foram observados efeitos colaterais adversos. “Nos experimentos, o uso do colírio possibilitou importantes efeitos neuroprotetores da retina em animais diabéticos, o que pudemos observar pelo eletroretinograma”, corrobora Jacqueline.

A responsável pelo desenvolvimento da composição destaca, ainda, o potencial do uso do colírio para tratar e previnir outras doenças oculares. Ou seja, trata-se de uma formulação farmacêutica altamente promissora para a Oftalmologia. “A utilização do colírio é um facilitador na administração do fármaco, não apresentando os riscos de um procedimento intraocular ou dos danos irreversíveis da fotocoagulação a laser na retina do paciente”, avalia. Também atuaram no desenvolvimento da formulação farmacêutica a doutora Mariana Aparecida Brunini Rosales e Aline Borelli Alonso, mestranda na Engenharia Química. Os estudos contaram com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

 

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