Pesquisadores aliam nanotecnologia e óleo de copaíba para combater infecções

Professor Duran no laboratório. Ele é branco, tem mais de 60 anos, cabelos grisalhos e veste jaleco.

Estudo conjunto da UNICAMP, UEL, UEM e UFAM resultou numa composição com atividade antimicrobiana. Composto patenteado com nanopartículas biogênicas de prata pode prevenir infecções bacterianas e fúngicas que afetam gestantes e prejudicam recém-nascidos.

Texto: Ana Paula Palazi | Foto de capa: Pedro Amatuzzi 

O óleo de copaíba é conhecido na medicina popular como o “antibiótico natural da mata” e o “bálsamo da Amazônia”. Os nomes estão ligados a propriedades bioativas cicatrizantes e antimicrobianas conhecidas. A parceria que envolveu quatro universidades de três estados teve como objetivo potencializar esses efeitos ao associar o óleo vegetal com a nanotecnologia “verde”, a qual aplica métodos de geração de nanoestruturas com menor impacto ambiental. O resultado é um composto antimicrobiano novo que combina o óleo de copaíba com nanopartículas de prata (AgNPs) produzidas a partir de fungos.

“A ação das nanopartículas de prata é extremamente eficiente, pois elas matam as bactérias e ao associá-las com o óleo de copaíba temos uma sinergia. A nanotecnologia auxilia na atividade, na reatividade e faz o efeito antimicrobiano atuar por muito mais tempo”, explica o pesquisador do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, Nelson Duran, hoje, professor colaborador do Instituto de Biologia (IB) e um dos pioneiros no Brasil na condução de estudos na área de nanobiotecnologia.

Efeito antibacteriano das nanopartículas de prata

Efeito das nanopartículas biogênicas de prata ao romper a proteção de uma bactéria. Imagem: Arquivo/Nelson Duran

A aplicação de nanopartículas de prata no combate a superbactérias, vírus e outros microrganismos indesejáveis vem sendo estudada nos laboratórios da Unicamp desde 2013 com patentes registradas pela Inova Unicamp. A tecnologia já foi caracterizada em diversos estudos com a proposição de aplicações que vão desde tratamentos ambientais e contra o câncer a sprays e tecidos que tem potencial de combater vírus, como o da COVID-19. 

A inovação do novo composto está na associação com o óleo de copaíba, o qual também possui atividade biológica de interesse médico e sanitário. A cooperação técnica envolveu treze pesquisadores das Universidades Estaduais de Campinas, Maringá, Londrina e da Universidade Federal do Amazonas, e possibilitou o intercâmbio de conhecimentos que resultou no desenvolvimento de uma composição de maior eficácia terapêutica e redução nas concentrações dos componentes, diminuindo assim os efeitos adversos. 

De acordo com os pesquisadores, a tecnologia pode ser usada em formulações de antissépticos e antimicrobianos de uso tópico (como cremes e pomadas para a pele), produtos de limpeza, sanitizantes e até na incorporação em tecidos para roupas com a função antimicrobiana.

O invento foi protegido com patente solicitada pela Agência de Inovação Inova Unicamp.  A exploração comercial da tecnologia pode ser feita a partir do licenciamento desta por empresas que, em contrapartida, destinam parte dos ganhos obtidos às Universidades envolvidas. Isso possibilita a manutenção dos investimentos em laboratórios e materiais para novos estudos. 

Alternativa aos antibióticos convencionais

O novo composto é visto como uma alternativa natural para o tratamento de infecções causadas por microrganismos multirresistentes. O aumento das superbactérias é um problema mundial causado, entre outros motivos, pelo uso intensivo de antibióticos. Ao associar as nanopartículas de prata com o óleo de copaíba, os pesquisadores buscam dificultar novas resistências aos antimicrobianos.

“É mais difícil para a bactéria desenvolver mecanismos de resistência contra dois compostos associados que atuam em sinergia. O óleo de copaíba tem vários princípios ativos, o que dificulta e reduz, ainda mais, a seleção de bactérias multirresistentes”, diz a professora Renata Katsuko Takayama Kobayashi, que estuda resistência e atividade antibacteriana de compostos naturais no Laboratório de Bacteriologia Básica e Aplicada da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Para o grupo de pesquisadores, as nanopartículas antibacterianas combinadas com o óleo de copaíba são possíveis alternativas aos antibióticos convencionais pois, além de não contribuírem com o aumento da seleção de bactérias multirresistentes, apresentam vantagens como a redução dos efeitos colaterais e das dosagens, uma vez que a combinação exige menores quantidades de cada ativo. 

grupos de cinco pesquisadores com jalecos brancos que posam para foto em frente a placa da UEL

O desenvolvimento do composto envolveu pesquisadores de quatro universidades. Foto: Arquivo/Sueli Fumie Yamada Ogatta

Nanotecnologia com potencial no tratamento de gestantes

Para testar o conceito, os pesquisadores realizaram ensaios de atividade in vitro com alguns microrganismos, entre eles, o fungo Candida albicans e a bactéria Streptococcus agalactiae. Ambos vivem normalmente no organismo humano, mas, em situações de desequilíbrio, crescem descontroladamente e passam a ser danosos à saúde. 

O fungo é um dos responsáveis pela candidíase, doença que pode afetar várias partes do corpo, mas atinge com frequência os órgãos genitais. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, estima-se que 75% das mulheres irão apresentar ao menos um episódio de candidíase vaginal durante a vida. 

A bactéria Streptococcus agalactiae, por sua vez, pode colonizar a mucosa vaginal em gestantes. Ela pode ser transmitida ao bebê no momento do parto e é considerada uma das causas mais frequentes de sepse (infecção generalizada) em recém-nascidos. 

“Começamos a buscar um produto natural, pensando no tratamento da gestante colonizada por S. agalactiae, pois ela não pode tomar qualquer tipo de medicação. Essa associação de nanopartículas de prata e óleo de copaíba potencializou o efeito antimicrobiano e diminuiu a concentração necessária de ambos”, explica a professora Sueli Fumie Yamada Ogatta que trabalha no Laboratório de Biologia Molecular de Microrganismos da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

A redução verificada nos estudos de concentração foi da ordem de oito vezes, com manutenção do mesmo efeito antibacteriano quando analisado cada componente isoladamente.

Produção sustentável 

óleo de copaíba sendo coletado de tronco de árvore

A coleta adequada do óleo de copaíba não prejudica a árvore. Foto: Arquivo/Sueli Fumie Yamada Ogatta

A prata utilizada para a produção das nanopartículas é a mesma que encontramos em joias e a diferença está no tamanho, como explica o professor Duran. “A prata é a mesma só que uma é macro e a outra é nano.” Nessa dimensão a matéria ganha propriedades e funções completamente novas e, apesar do tamanho reduzido, as nanopartículas de prata apresentam uma superfície relativamente grande na comparação com outras nanoestruturas. 

O professor Gerson Nakazato, ex-aluno de pós-graduação Unicamp que coordena o Laboratório de Bacteriologia Básica e Aplicada da UEL em conjunto com a professora Kobayashi, lembra que esse detalhe aumenta a eficiência e capacidade de interação com outros componentes e reduz o risco de absorção do metal pelo organismo. A prata não é muito tóxica para as células animais, mas sua acumulação no corpo e no meio ambiente pode resultar em efeitos indesejados. 

O processo produtivo biológico não usa elementos químicos que lançam mão, muitas vezes, de substâncias tóxicas à natureza. A síntese da nanopartícula é feita a partir de um fungo específico, chamado de Fusarium oxysporum. Ele é responsável por secretar algumas enzimas que promovem a transformação do sal de prata em nanoprata. 

Por outro lado, o óleo de copaíba é uma fonte de renda valiosa na Amazônia. A extração com manejo sustentável das árvores garante produção duradoura, em ciclos, sem o corte e extinção das árvores.  A descoberta de novas propriedades da copaíba e a melhora das que já são conhecidas fornecem um vasto campo de aplicações tecnológicas ao composto. 

“Acreditamos que o poder residual, por exemplo, de um saneante com essa nanotecnologia apresenta uma ação prolongada bem maior daqueles que se têm no mercado atualmente”, considera Nakazato.  O próximo passo do grupo interinstitucional é testar a eficácia da combinação das nanopartículas de prata e óleo de copaíba contra vírus, em especial o coronavírus.

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