1 de outubro de 2021 Pesquisadores aliam nanotecnologia e óleo de copaíba para combater infecções
Estudo conjunto da UNICAMP, UEL, UEM e UFAM resultou numa composição com atividade antimicrobiana. Composto patenteado com nanopartículas biogênicas de prata pode prevenir infecções bacterianas e fúngicas que afetam gestantes e prejudicam recém-nascidos.
Texto: Ana Paula Palazi | Foto de capa: Pedro Amatuzzi
O óleo de copaíba é conhecido na medicina popular como o “antibiótico natural da mata” e o “bálsamo da Amazônia”. Os nomes estão ligados a propriedades bioativas cicatrizantes e antimicrobianas conhecidas. A parceria que envolveu quatro universidades de três estados teve como objetivo potencializar esses efeitos ao associar o óleo vegetal com a nanotecnologia “verde”, a qual aplica métodos de geração de nanoestruturas com menor impacto ambiental. O resultado é um composto antimicrobiano novo que combina o óleo de copaíba com nanopartículas de prata (AgNPs) produzidas a partir de fungos.
“A ação das nanopartículas de prata é extremamente eficiente, pois elas matam as bactérias e ao associá-las com o óleo de copaíba temos uma sinergia. A nanotecnologia auxilia na atividade, na reatividade e faz o efeito antimicrobiano atuar por muito mais tempo”, explica o pesquisador do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, Nelson Duran, hoje, professor colaborador do Instituto de Biologia (IB) e um dos pioneiros no Brasil na condução de estudos na área de nanobiotecnologia.
A aplicação de nanopartículas de prata no combate a superbactérias, vírus e outros microrganismos indesejáveis vem sendo estudada nos laboratórios da Unicamp desde 2013 com patentes registradas pela Inova Unicamp. A tecnologia já foi caracterizada em diversos estudos com a proposição de aplicações que vão desde tratamentos ambientais e contra o câncer a sprays e tecidos que tem potencial de combater vírus, como o da COVID-19.
A inovação do novo composto está na associação com o óleo de copaíba, o qual também possui atividade biológica de interesse médico e sanitário. A cooperação técnica envolveu treze pesquisadores das Universidades Estaduais de Campinas, Maringá, Londrina e da Universidade Federal do Amazonas, e possibilitou o intercâmbio de conhecimentos que resultou no desenvolvimento de uma composição de maior eficácia terapêutica e redução nas concentrações dos componentes, diminuindo assim os efeitos adversos.
De acordo com os pesquisadores, a tecnologia pode ser usada em formulações de antissépticos e antimicrobianos de uso tópico (como cremes e pomadas para a pele), produtos de limpeza, sanitizantes e até na incorporação em tecidos para roupas com a função antimicrobiana.
O invento foi protegido com patente solicitada pela Agência de Inovação Inova Unicamp. A exploração comercial da tecnologia pode ser feita a partir do licenciamento desta por empresas que, em contrapartida, destinam parte dos ganhos obtidos às Universidades envolvidas. Isso possibilita a manutenção dos investimentos em laboratórios e materiais para novos estudos.
Alternativa aos antibióticos convencionais
O novo composto é visto como uma alternativa natural para o tratamento de infecções causadas por microrganismos multirresistentes. O aumento das superbactérias é um problema mundial causado, entre outros motivos, pelo uso intensivo de antibióticos. Ao associar as nanopartículas de prata com o óleo de copaíba, os pesquisadores buscam dificultar novas resistências aos antimicrobianos.
“É mais difícil para a bactéria desenvolver mecanismos de resistência contra dois compostos associados que atuam em sinergia. O óleo de copaíba tem vários princípios ativos, o que dificulta e reduz, ainda mais, a seleção de bactérias multirresistentes”, diz a professora Renata Katsuko Takayama Kobayashi, que estuda resistência e atividade antibacteriana de compostos naturais no Laboratório de Bacteriologia Básica e Aplicada da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Para o grupo de pesquisadores, as nanopartículas antibacterianas combinadas com o óleo de copaíba são possíveis alternativas aos antibióticos convencionais pois, além de não contribuírem com o aumento da seleção de bactérias multirresistentes, apresentam vantagens como a redução dos efeitos colaterais e das dosagens, uma vez que a combinação exige menores quantidades de cada ativo.
Nanotecnologia com potencial no tratamento de gestantes
Para testar o conceito, os pesquisadores realizaram ensaios de atividade in vitro com alguns microrganismos, entre eles, o fungo Candida albicans e a bactéria Streptococcus agalactiae. Ambos vivem normalmente no organismo humano, mas, em situações de desequilíbrio, crescem descontroladamente e passam a ser danosos à saúde.
O fungo é um dos responsáveis pela candidíase, doença que pode afetar várias partes do corpo, mas atinge com frequência os órgãos genitais. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, estima-se que 75% das mulheres irão apresentar ao menos um episódio de candidíase vaginal durante a vida.
A bactéria Streptococcus agalactiae, por sua vez, pode colonizar a mucosa vaginal em gestantes. Ela pode ser transmitida ao bebê no momento do parto e é considerada uma das causas mais frequentes de sepse (infecção generalizada) em recém-nascidos.
“Começamos a buscar um produto natural, pensando no tratamento da gestante colonizada por S. agalactiae, pois ela não pode tomar qualquer tipo de medicação. Essa associação de nanopartículas de prata e óleo de copaíba potencializou o efeito antimicrobiano e diminuiu a concentração necessária de ambos”, explica a professora Sueli Fumie Yamada Ogatta que trabalha no Laboratório de Biologia Molecular de Microrganismos da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
A redução verificada nos estudos de concentração foi da ordem de oito vezes, com manutenção do mesmo efeito antibacteriano quando analisado cada componente isoladamente.
Produção sustentável
A prata utilizada para a produção das nanopartículas é a mesma que encontramos em joias e a diferença está no tamanho, como explica o professor Duran. “A prata é a mesma só que uma é macro e a outra é nano.” Nessa dimensão a matéria ganha propriedades e funções completamente novas e, apesar do tamanho reduzido, as nanopartículas de prata apresentam uma superfície relativamente grande na comparação com outras nanoestruturas.
O professor Gerson Nakazato, ex-aluno de pós-graduação Unicamp que coordena o Laboratório de Bacteriologia Básica e Aplicada da UEL em conjunto com a professora Kobayashi, lembra que esse detalhe aumenta a eficiência e capacidade de interação com outros componentes e reduz o risco de absorção do metal pelo organismo. A prata não é muito tóxica para as células animais, mas sua acumulação no corpo e no meio ambiente pode resultar em efeitos indesejados.
O processo produtivo biológico não usa elementos químicos que lançam mão, muitas vezes, de substâncias tóxicas à natureza. A síntese da nanopartícula é feita a partir de um fungo específico, chamado de Fusarium oxysporum. Ele é responsável por secretar algumas enzimas que promovem a transformação do sal de prata em nanoprata.
Por outro lado, o óleo de copaíba é uma fonte de renda valiosa na Amazônia. A extração com manejo sustentável das árvores garante produção duradoura, em ciclos, sem o corte e extinção das árvores. A descoberta de novas propriedades da copaíba e a melhora das que já são conhecidas fornecem um vasto campo de aplicações tecnológicas ao composto.
“Acreditamos que o poder residual, por exemplo, de um saneante com essa nanotecnologia apresenta uma ação prolongada bem maior daqueles que se têm no mercado atualmente”, considera Nakazato. O próximo passo do grupo interinstitucional é testar a eficácia da combinação das nanopartículas de prata e óleo de copaíba contra vírus, em especial o coronavírus.
Saiba mais sobre a tecnologia
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