1 de fevereiro de 2024 Novos sensores proporcionam uso racional da irrigação no campo
Desenvolvidos no país, dispositivos têm como objetivo medir a umidade do solo
Texto: Suzel Tunes – Pesquisa FAPESP | Foto de capa: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp
Produtores agrícolas brasileiros têm à disposição dois novos modelos de sensores de umidade de solo desenvolvidos no país. Um desses dispositivos, criado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) e licenciado para a empresa Galembetech, uma spin-off da universidade, difere de outros aparelhos similares existentes no mercado por um detalhe importante: emprega material condutor não metálico, à base de grafite, o que o torna resistente à corrosão. Com isso, sua durabilidade é maior. Por essa inovação, o biólogo Eduardo Galembeck e o estudante de engenharia Yago Sampaio Guido receberam o Prêmio Inventores Unicamp 2023 na categoria Propriedade Intelectual Licenciada.
A Galembetech já produziu um lote de 50 unidades do sensor. “Nossa ideia é fazer uma divulgação inicial do produto e depois disponibilizá-lo em lojas e sites agropecuários”, diz Galembeck. No futuro, para elevar a escala, a startup deve terceirizar a produção. Segundo o pesquisador, que é sócio da Galembetech e professor do IB-Unicamp, um pedido de patente do sensor já foi depositado.
O segundo sensor é fruto de um trabalho feito na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O foco da equipe da unidade Embrapa Instrumentação, em São Carlos (SP), são aparelhos para medir o chamado potencial matricial da água no solo, ou seja, a força ou tensão com que as partículas do solo retêm a água. Também chamados de tensiômetros, são dispositivos compostos por material cerâmico permeável, contendo água no interior. Na medida em que o solo seca, a água tende a sair do sensor gerando um vácuo equivalente à tensão da água no solo. Seu funcionamento é cíclico: quando a chuva ou a irrigação molhar o solo, os sensores absorverão água e voltarão ao estado inicial.
O projeto, apoiado pela FAPESP, busca aperfeiçoar dois modelos lançados em 2015 (ver Pesquisa FAPESP nº 234). O físico Carlos Manoel Pedro Vaz, responsável pelo desenvolvimento, esclarece que esses aparelhos apresentaram perda de sensibilidade e precisaram voltar ao laboratório. Um novo modelo, chamado IGstat, criado com a Tecnicer Cerâmica, de São Carlos, já está no mercado.
Uso sustentável da água
Sensores voltados ao uso racional de água no campo tendem a ser cada vez mais usados em sistemas de irrigação por causa do aquecimento global e do cenário de escassez de água mais intenso que ele delineia. “Temos que usar os recursos tecnológicos disponíveis para aplicar a água na lavoura no momento certo e na quantidade exata”, defende o engenheiro-agrônomo Rubens Duarte Coelho, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). Ele é um dos autores do livro Agricultura irrigada no Brasil: Ciência e tecnologia (Esalq, 2022).
Nos últimos 15 anos, segundo o agrônomo, surgiram consultorias focadas em manejo de irrigação, que incluem em seus protocolos a instalação de sensores para avaliar o status da água no solo. Há diversos modelos à disposição, com diferentes princípios de funcionamento. De maneira geral, eles podem ser classificados em três categorias: os que medem o volume de água no solo (resistivos), os que são sensíveis à constante dielétrica do solo (capacitivos) e os que aferem a tensão com que a água é retida (tensiométricos).
“Os sensores mais modernos e confiáveis são os tensiométricos e os capacitivos, com 98% do mercado. Não têm elemento metálico em contato com o solo e são estáveis ao longo dos anos. Por isso, são os mais vendidos”, diz Coelho.
O sensor da Unicamp é do tipo resistivo. Baseia-se em uma propriedade física do solo, a resistência elétrica, que varia com a quantidade de água presente. Galembeck explica que o aparelho mensura o volume de água a partir da variação de resistência elétrica entre dois eletrodos inseridos no solo. “Quanto maior a quantidade de água, menor a resistência elétrica medida”, conta.
Ele funciona como outros modelos de sensores resistivos vendidos no mercado, mas o uso do grafite como material condutor, substituindo os componentes metálicos, pode torná-lo uma opção mais durável e econômica. “Os sensores resistivos custam a partir de R$ 15, mas podem chegar a R$ 1.000, conforme o material de que são feitos, sua durabilidade e se são nacionais ou importados. O nosso custa, no ponto de venda, cerca de R$ 25, na faixa de preço dos mais baratos, mas com a durabilidade dos mais caros”, diz Galembeck.
De acordo com o pesquisador, alguns sensores metálicos começam a apresentar falhas com poucos meses de uso. O dispositivo da Unicamp não sofreu deterioração depois de 18 meses de emprego contínuo em testes em campo. A questão da durabilidade foi o que motivou a pesquisa, iniciada em 2017. “Eu trabalhava em outro projeto, relacionado à vida microscópica, quando tive dificuldade para montar um experimento em um terrário”, recorda-se Galembeck. “Ele era monitorado por vários sensores, incluindo o de umidade, que durava menos do que o experimento. Entrei em contato com a equipe de outro projeto do qual eu participava, que investigava um novo material à base de grafite, e decidimos empregá-lo para resolver o problema de desgaste do sensor.”
Desse processo de desenvolvimento participaram o aluno de iniciação científica Yago Guido e a Galembetech, que teve apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequena Empresas (Pipe), da Fundação. “A chegada desse produto ao mercado fecha um ciclo que surgiu a partir da pesquisa básica em um projeto na área de ensino de ciências e resultou em uma patente e uma inovação tecnológica”, comemora Galembeck.
A Galembetech prepara uma campanha publicitária para conquistar o consumidor. Pode não ser tarefa fácil. Segundo Vaz, da Embrapa, o uso de sensores para manejo e controle de irrigação não é uma prática estabelecida no campo. “Para boa parte dos produtores, o preço da energia elétrica determina o horário da irrigação. Não se olha muito a demanda do solo ou da planta, e acaba ocorrendo desperdício de água.” Ele espera que a entrada de mais produtos nacionais no mercado, com a oferta de assistência técnica aos agricultores, ajude a mudar esse cenário.
O engenheiro agrícola Everardo Mantovani, criador do Grupo de Estudos e Soluções para Agricultura Irrigada da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, e professor emérito da instituição, avalia que conhecimento técnico é essencial para o sucesso dessa tecnologia. “Se não forem devidamente empregados, os sensores tornam-se economicamente inviáveis”, diz.
O tamanho da propriedade também condiciona o uso do dispositivo. Em áreas agrícolas mais extensas, explica Mantovani, pode haver diferenças de características do solo conforme o local, o que exigiria a instalação de vários sensores para uma avaliação mais precisa – elevando o custo de implantação da tecnologia. “Os sensores funcionam muito bem em lavouras menores e em culturas de maior valor agregado, como a produção de hortaliças”, considera.
Projetos
1. Fabricação e aplicações de materiais multifuncionais (nº 22/01668-4); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsávelFernando Galembeck (GG & FG Consultores); Investimento R$ 752.600,00.
2. Tintas, adesivos e revestimentos condutores à base de grafite esfoliado e aplicados à construção de componentes e circuitos elétricos (no 18/00834-2); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Fernando Galembeck (GG & FG Consultores); Investimento R$ 494.619,08.
3. INCT 2014: Em Materiais Complexos Funcionais – Inomat (nº 14/50906-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Temático; Pesquisador responsávelFernando Galembeck (Campinas); Investimento R$ 3.613.721,29.
4. Desenvolvimento e avaliação de novos dispositivos sensores para a medida do potencial matricial da água no solo (n° 20/16179-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Regular; Pesquisador responsável Carlos Manoel Pedro Vaz (Embrapa); Investimento R$ 178.547,61.
Livro
PAOLINELLI, Alysson et al. (org). Agricultura irrigada no Brasil: Ciência e tecnologia (recurso eletrônico). Piracicaba: Esalq/USP; Viçosa: Abid, 2022.
Matéria originalmente publicada em Pesquisa FAPESP
Leia mais:
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