2 de julho de 2013 Kit detecta mutação genética em tipos de câncer pediátrico
Pesquisadores da Unicamp e do Centro Boldrini desenvolvem tecnologia para detecção automatizada
Texto: Adriana Arruda e Vanessa Sensato Especial para o JU
Foto: Antoninho Perri
Edição de Imagens: Diana Melo
Um grupo que reúne pesquisadores da Unicamp e do Centro Infantil Boldrini desenvolveu um kit para detecção de mutação genética ligada ao aparecimento de diferentes tipos de câncer pediátricos, em especial ao tumor de córtex adrenal – que é a glândula localizada em cima dos rins – e ao carcinoma de plexo coroide, que ataca o sistema nervoso central. A tecnologia foi desenvolvida no âmbito do doutoramento de Isabel Pereira Caminha, que é aluna da Genética e Biologia Molecular do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, sob orientação de José Andrés Yunes, cientista do Boldrini e pesquisador colaborador voluntário da Unicamp, com a colaboração de Ana Luiza Seidinger, funcionária do Boldrini, e Carmen Sílvia Gabetta, responsável técnica do Programa de Triagem Neonatal do Centro Integrado de Pesquisas Oncohematológicas na Infância, da Faculdade de Ciências Médicas (Cipoi-FCM).
Isabel conta que seu doutorado ainda está em desenvolvimento e que o objetivo central de seu projeto não era o desenvolvimento do kit, mas sim dimensionar a frequência da mutação R337H na região de Campinas. Segundo ela, esta mutação está relacionada a um aumento na incidência de câncer em crianças, principalmente o tumor de córtex adrenal, que, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, registra número de casos 15 vezes maior do que no resto do mundo. Um dos complicadores iniciais de sua pesquisa, entretanto, era a necessidade de realizar o teste para a detecção da mutação em aproximadamente 30 mil pessoas para que houvesse um resultado estatisticamente válido. “A técnica então disponível – conhecida como PCR-RFLP (Polymerase Chain Reaction – Restriction Fragment Lenght Polymorfism) convencional – exigia a realização de várias etapas de análise em cada amostra a ser testada, o que a tornava inviável para um projeto a ser desenvolvido em um curto espaço de tempo”, relata a aluna.
Foi necessária, então, a criação de uma nova técnica de PCR, que permitisse identificar a mutação R337H do gene TP53 em grande escala e de maneira mais ágil. Yunes explica que este é o principal diferencial da tecnologia desenvolvida. “O kit permite a detecção da mutação do gene TP53 de maneira mais rápida, uma vez que a técnica anterior requer várias etapas, sendo necessários dois dias para ser completa, enquanto a nova é feita automaticamente em uma etapa e leva apenas quatro horas para a obtenção do resultado”.
Yunes ressalta que, além de mais rápida, a técnica desenvolvida é altamente sensível e confiável. “A utilizada anteriormente é mais artesanal, dependente da análise visual de operadores, enquanto a nova é automatizada, o que garante maior confiabilidade ao resultado”, explica o pesquisador. Isabel acrescenta que o fato de a nova técnica ser realizada em apenas uma etapa propicia também a economia de reagentes utilizados, o que implica na redução de custos envolvidos na análise.
Os pesquisadores explicam que, além dos benefícios técnicos imediatos inerentes ao desenvolvimento do kit, há também uma questão pública importante a ser destacada: a possibilidade de inclusão da detecção da mutação R337H entre os exames feitos por meio do teste do pezinho em recém-nascidos. “O kit permite detectar a mutação do gene TP53 usando pequenas amostras de sangue colhidas em papel filtro para o teste do pezinho. Esta possibilidade torna viável a realização do exame sem a necessidade de coletar novas amostras de sangue e propicia a inclusão da análise da mutação TP53 R337H no programa nacional de triagem neonatal”, coloca Isabel.
Para Yunes, a realização do teste entre os recém-nascidos pode ser interessante e muito útil, principalmente em regiões de maior incidência da mutação 337H, como a Sul e Sudeste. “A detecção desta mutação pode auxiliar no diagnóstico precoce dos tumores citados, aumentando as chances de sucesso no tratamento do câncer. Hoje está provado que o acompanhamento das crianças positivas para esta mutação desde o nascimento permite o diagnóstico precoce do câncer, aumentando consideravelmente as chances de cura da doença. Portanto, a aplicação da técnica pelos laboratórios que realizam o teste do pezinho poderia beneficiar uma parte dos portadores da 337H que irá desenvolver o câncer”, prevê Yunes. Atualmente, o teste do pezinho é feito por laboratórios do serviço público e privado.
O kit para detecção de mutações do câncer teve seu pedido de patente depositado em dezembro de 2012 junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) com o auxílio direto da Agência de Inovação Inova Unicamp. “A Inova Unicamp foi fundamental para nos orientar a respeito do caminho a ser seguido na descrição da tecnologia. Algumas simples sugestões ajudaram a tornar a patente mais sólida e consistente. Ao mesmo tempo, nos ajudaram a torná-la mais abrangente a outros reagentes e materiais utilizados”, ressalta Yunes. A Agência também está tratando de buscar empresas parceiras para levar a tecnologia ao mercado. O contato para empresas interessadas na tecnologia é parceiras@inova.unicamp.br
Diagnóstico precoce é importante
A bióloga e doutora em Genética e Biologia Molecular Ana Seidinger Conte foi uma das colaboradoras na pesquisa que levou ao desenvolvimento do kit. Sua pesquisa de doutorado mostrou que, além de ter ampla correlação com o tumor de córtex adrenal, a mutação TP53 R337H também está associada a outros tipos de câncer, como o de mama e o de ossos. “Estas doenças são potencialmente fatais. Estudo recente publicado na conceituada revista Journal of Clinical Oncology, por pesquisadores do Paraná, mostra que a detecção desta mutação permite o diagnóstico precoce dos tumores citados e aumenta as chances de sucesso no tratamento do câncer”, ressalta a pesquisadora.
O tumor de córtex adrenal é uma doença com alta incidência nas regiões Sul e Sudeste do Brasil e suas chances de cura diminuem à medida que aumenta o tempo do diagnóstico. Estudos do Centro Infantil Boldrini demonstram que mais de 90% das crianças com TCA são portadoras da mutação R337H. Especificamente nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, essa mutação tem uma frequência significativamente alta, acometendo aproximadamente 0,2% da população. A frequência da mutação R337H para o TCA é de 2,39%, ou seja, estas crianças portadoras da mutação irão desenvolver o TCA. Portanto, 0,0048% das crianças das regiões Sul e Sudeste do Brasil correm esse risco. “Para se ter uma ideia da importância da inclusão desta detecção no teste do pezinho, a fenilcetonúria, que já é obrigatoriamente incluída no exame, ocorre em frequência de 0,004 a 0,007%”, observa Yunes.
O pesquisador destaca que, apesar da adoção da nova técnica representar um avanço significativo, a tecnologia desenvolvida é uma das etapas que antecipam o eventual diagnóstico do câncer. “É preciso ainda estabelecer qual a melhor maneira de acompanhamento das crianças portadoras da mutação – se por exames de imagem ou testes laboratoriais, por exemplo, e com qual frequência. Será preciso avaliar também o impacto psicológico para as famílias portadoras. Mas acredito estarmos no caminho certo e com possibilidades reais de promover um grande avanço na detecção precoce do câncer”, finaliza Yunes. O Estado do Paraná saiu na frente: já tramita na Assembleia Legislativa o projeto de lei 268/2008 para tornar obrigatória a realização do exame de DNA para detecção da mutação R337H no gene TP53 em todos os recém-nascidos no Estado.
Publicação
Tese: “Espectro tumoral e alterações moleculares associadas à “tumorigênese em portadores da mutação TP53 R337H”
Autora: Ana Luiza Ongaro Seidinger Conte
Orientador: José Andrés Yunes
Financiamento: CNPq (projeto de pesquisa), Fapesp (bolsa de estudos) e Capes (projeto Procad)