Empresários mostram como criar negócios com pouquíssimo dinheiro

Reinaldo Chaves – colaboração para a Folha

Fotos: Ze Carlos Barretta, Isabela Brant, Fabio Braga – Folhapress

A Movile, uma empresa brasileira que produz aplicativos para dispositivos móveis e tem escritórios em sete países, começou com investimento zero. Para criar a companhia, os sócios usaram apenas dois computadores pessoais que já possuíam.

Exemplos como esse são comuns no cenário empreendedor mundial da atualidade. É o que defende Chris Guillebeau, autor do livro recém-lançado no Brasil “A Startup de $ 100” (Saraiva, 240 págs., R$ 33,90).

Flávio Pripas investiu R$ 30 para criar site que hoje opera até nos EUA

O escritor americano, que também é empresário, pesquisou 1.500 casos nos EUA de microempresários que começaram com baixos investimentos e tiveram sucesso.

O autor afirma que os micronegócios sempre existiram, mas o cenário contemporâneo é mais propício para o empreendedorismo porque a tecnologia diminuiu burocracias e tornou mais fácil testar, lançar e expandir um projeto sem a necessidade de investir muito.

Fabrício Bloisi, 35, um dos fundadores da Movile e hoje diretor-executivo, lembra que tudo começou quando se formou em ciências da computação com seu sócio Fábio Póvoa, 36. Sem um produto certo para vender, mas com vontade de empreender, eles iniciaram a companhia na sala de casa, em 2000.

“Não sabíamos nem bem o que a empresa faria”, diz Bloisi. O primeiro serviço vendido foi a criação de um sistema de bate-papo por celular, ao custo de R$ 2.000. Durante os primeiros anos da empresa, Bloisi afirma ter errado muito, com propostas que não deram certo.

“Nunca apostamos em uma ideia só. Pensamos em vários cenários para o futuro e em alguns acabamos acertando. Fizemos sempre ajustes rápidos de curso –se algo dava errado, cancelávamos rapidamente.”

Abrir um negócio hoje, para Guillebeau, não exige empreendedores com alto nível educacional ou cursos de MBA. Ele afirma que as condições atuais permitem uma liberdade para começar sem a noção clara do que a empresa quer ser, porque os recursos necessários são baixos.

Mas Gilberto Sarfati, professor da FGV, afirma que é essencial ter capacitação para gerir uma empresa, principalmente o seu caixa.

Ele também destaca que o empreendedorismo em certos setores, como o da internet, é mais simples e barato. Nesse segmento, as companhias têm taxas de crescimento muito altas, tanto de receita como de funcionários. Por isso, Sarfati afirma que, nesses casos é adequada uma gestão sem tanto planejamento porque a companhia vai se transformar muito em poucos meses, de forma quase automática.

Já em setores tradicionais da economia, os empresários têm de conviver com problemas como competição acirrada e custos altos de produção. Isso obriga o empreendedor a se planejar muito mais.

“Os negócios tradicionais só terão viabilidade se forem planejados e lidarem bem com a gestão, como a questão de prazos e o capital de giro”, afirma.

Leandro Ginane adaptou sua empresa a uma necessidade de mercado

BRINCADEIRA

A rede social de moda Fashion.me é exemplo de como montar negócios virtuais pode ser simples. Apenas R$ 30 foram investidos para pagamento da hospedagem do site, em 2008. Flávio Pripas, 35, e Renato Stenberg, 34, criaram o portal para agradar suas mulheres.

“Elas queriam abrir uma loja de roupas, mas o investimento necessário era muito alto. Decidimos, então, criar o site de moda para elas brincarem. Levamos um fim de semana e três noites para criar tudo”, lembra Pripas.

No princípio, só a família e amigos acessavam o serviço, mas na segunda semana começaram as visitas de internautas de fora desse círculo. A empresa surgiu por acaso e sem definição clara do que faria. No início, a ideia era que os sócios nem se envolvessem na atualização do site –os próprios usuários geravam conteúdo, com o envio de fotos e textos sobre “looks” de moda dos quais gostavam.

Em abril de 2009, veio a primeira proposta de anunciante. Pouco tempo depois, Pripas e Stenberg decidiram abandonar seus empregos para se dedicar só ao site. Com aporte financeiro da Intel Capital, no ano passado, o Fashion.me abriu um escritório nos Estados Unidos.

“Sem perceber, tínhamos criado uma rede social, algo que se tornaria uma febre nos anos seguintes também como maneira de realizar negócios lucrativos”, diz Pripas.

Para Ricardo Rodrigues, da #Partyu, usuários devem ser 'guias' da empresa

ALVO CERTO

Uma tática para criar negócios sem investir muito é usar hobbies ou habilidades pessoais para desenvolver um produto ou serviço e depois a internet para encontrar clientes e parceiros. Mas é preciso verificar se a ideia atende às necessidades reais de determinado segmento.

Por causa disso, Leandro Ginane, 33, teve de fazer um ajuste em seu negócio para que ele desse certo. Ele tinha um cargo de gerente de marketing, porém, resolveu trabalhar por conta oferecendo consultorias no Rio de Janeiro em um assunto no qual tinha experiência: usabilidade e arquitetura da informação para o mercado financeiro.

Ele abriu a empresa em sua casa, aproveitando o computador e equipamentos eletrônicos que já possuía. O único gasto foi contratar um plano de escritório coletivo para reuniões ocasionais, pagando R$ 500.

Ginane diz que o faturamento ia bem, mas, ouvindo os clientes, percebeu que havia uma oportunidade de mercado maior: empresas, de todos os ramos, necessitavam testar a eficácia de aplicativos e sites em diferentes plataformas, como navegadores, smartphones e tablets. Ele resolveu focar nesse modelo de negócios em outubro do ano passado e criou a deviceLab. A companhia hoje já tem 14 funcionários e estima faturar R$ 2 milhões neste ano.

“Você precisa tomar decisões rápidas e também cuidar para construir uma marca. Vi uma necessidade no mercado e procurei me ajustar e promover parcerias para ter relevância.”

TESTE JÁ

Outra necessidade dos micronegócios é a economia dos gastos. Entre as empresas iniciantes de base tecnológica, existe um movimento que trata disso, o “lean start-up” (start-up enxuta). Trabalhar com equipes pequenas, investir constantemente em inovação e testar as novidades rapidamente são as principais estratégias.

Com esse referencial, nasceu em janeiro o aplicativo #Partyu, que facilita a descoberta dos eventos que acontecem em uma cidade. Ricardo Rodrigues, 26, sócio-fundador da empresa, conta que nunca quis fazer “de cara, um produto perfeito”.

“Trabalhamos com o usuário como guia. Baseado na reação dele, o produto vai sendo alterado rapidamente. Isso é possível com o desenvolvimento de métricas, equipes pequenas e metas menores e rápidas”, explica.

A empresa começou com R$ 550, entre gastos com hospedagem e publicidade. A equipe de quatro funcionários tenta medir rapidamente os resultados e decidir se ele vale a pena ou não. “É um desperdício de tempo fazer um plano de negócios se a empresa é enxuta e pode acompanhar em tempo real a reação do usuário”, aponta Rodrigues.

Os custos para abrir um micronegócio que esta reportagem lista não incluem os gastos burocráticos no Brasil. Mas até eles estão menores.

Fabrício Bloisi, da Movile, diz que é importante investir em várias ideias

FAÇA AS CONTAS

Segundo Sebastião Luiz Gonçalves dos Santos, contador e conselheiro do CRC-SP (Conselho Regional de Contabilidade), o custo para regularizar uma pequena empresa é de ao menos R$ 300, incluindo gastos como registro na Junta Comercial, alvará do Corpo de Bombeiros, alvará de funcionamento, inscrição de contribuinte, cartório e contador.
Os valores variam de acordo com a atividade econômica e com o município em que ela está instalada.

As formas mais baratas de regularizar o negócios são o programa MEI (Microempreendedor Indivudual), que sai por até R$ 39,90 por mês, e o Simples Nacional –o modelo aceita microempresas (faturamento de até R$ 360 mil por ano) e de pequeno porte (até R$ 3,6 milhões). Os tributos são recolhidos de forma conjunta, com a aplicação de alíquotas que variam de acordo com a receita bruta.

No ano passado foi criada outra forma de regularização, a Eireli (empresa individual de responsabilidade limitada), que permite criar uma empresa limitada com um único sócio. Mas o sistema exige um capital social (patrimônio líquido) de cem salários mínimos (R$ 67,8 mil).

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