Parcerias entre pesquisadores e empresas geram conhecimento

Por Flávia Gouveia

Agência FAPESP – Uma relação simbiótica envolve parcerias entre empresas e instituições de pesquisa no Brasil, com impactos positivos sobre toda a economia. Universidades e institutos de pesquisa são importantes para as atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) das empresas, assim como os desafios tecnológicos da produção realimentam o conhecimento científico.

Esse é um dos resultados dos estudos realizados no âmbito do Projeto Temático “Interações de Universidades e Institutos de Pesquisa com Empresas no Brasil”, desenvolvido entre 2007 e 2012, com apoio da FAPESP, e coordenado pelo professor Wilson Suzigan, do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“São fluxos de conhecimento bidirecionais ainda localizados, que merecem atenção especial das políticas públicas, de modo a promover o avanço articulado das instituições de pesquisa e do setor produtivo e estabelecer conexões consistentes entre ciência e tecnologia”, disse Suzigan.

Identificar como se dá o relacionamento entre empresas e instituições de pesquisa no Brasil e investigar se há intercâmbios importantes com áreas de conhecimento e setores diversos estão entre os principais motivadores do projeto, que contemplou três eixos básicos: teórico-conceitual, histórico e de recortes temáticos.

Com o envolvimento de pesquisadores e estudantes de várias instituições do país, o projeto buscou realizar um mapeamento abrangente das parcerias, combinando informações fornecidas por cientistas e empresas, além de estudos de caso em diversas partes do Brasil.

O trabalho também integrou um conjunto de estudos internacionais, no contexto do projeto “Interactions between Universities and Firms: searching for paths to support the changing role of universities in Latin America”, apoiado pelo International Development Research Centre (IDRC), do Canadá, e que inclui 12 países da África, América Latina e Ásia.

“Procuramos reproduzir a experiência realizada nas décadas de 1980 e 1990 pelas universidades de Carnegie Mellon e Yale, nos Estados Unidos, para estudar o tema por meio de pesquisas com aplicação de questionários”, explicou Suzigan.

Segundo ele, para a pesquisa brasileira foi preciso contornar obstáculos de acesso a microdados oficiais e adaptar alguns procedimentos metodológicos, de modo a sintonizar o andamento do projeto nacional com o do projeto internacional.

“Trabalhamos exclusivamente com as informações presentes no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], tanto as que se referem a grupos de pesquisa que declararam interagir com empresas, quanto a empresas identificadas pelos grupos como interativas”, disse.

Segundo Suzigan, essa limitação exige atenção na interpretação de resultados, mas não impede a comparação com dados de mesma natureza referentes a outros países. Na enquete realizada entre empresas de 27 setores econômicos, foram identificadas 1.687 empresas que interagem com pesquisadores do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Dessas, 20% responderam ao questionário da pesquisa, percentual similar ao de estudos semelhantes realizados em outros países.

Especificidades brasileiras

Os estudos feitos no âmbito do Projeto Temático revelaram que o contexto histórico de desenvolvimento econômico e social do país condiciona o padrão de interações entre empresas e instituições de pesquisa.

“Nosso Sistema Nacional de Inovação pode ser situado em um nível intermediário, com instituições de pesquisa e ensino construídas, mas ainda incapazes de mobilizar um contingente de cientistas comparável ao de países desenvolvidos”, disse Suzigan.

Institutos de pesquisa e universidades foram criados tardiamente, com limitações e em condições adversas de distribuição de renda e de generalização do ensino. Tardia também foi a industrialização brasileira, com um longo período de protecionismo comercial que desviava o foco da construção e do desenvolvimento de capacitações científicas e tecnológicas, ou de canais de interação entre organizações científicas e empresas com vistas a reduzir a distância em relação à fronteira tecnológica.

“Apesar dessa herança histórica, existem pontos de interação forte entre empresas e instituições de pesquisa, unindo as dimensões científica e tecnológica”, apontou Suzigan.

Os estudos de caso mostraram que as áreas científicas atualmente de maior impacto no Brasil têm raízes históricas sólidas, com esforços sistemáticos e duradouros. São elas medicina/saúde, agricultura e as engenharias de minas, materiais, metalúrgica e aeronáutica.

“Os estudos de casos bem-sucedidos de interação entre universidades/institutos de pesquisa e empresas indicam a presença de processos de aprendizado e capacitação científica e tecnológica envolvendo universidades, institutos de pesquisa, governos e produtores”, disse Suzigan.

Além disso, as regiões têm padrões muito diferenciados de interação, refletindo atrasos relativos na criação de instituições e no desenvolvimento local. No que se refere aos recursos para ciência e tecnologia, o Estado de São Paulo exerce inequívoca liderança no país, de acordo com a pesquisa.

“Verificou-se ali a existência de grupos de empresas com interação em todas as principais áreas de conhecimento, além de casos exemplares, como o do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec)”, disse Suzigan.

No Nordeste, as interações revelaram-se menos intensas, em parte pelo caráter tardio da base de ciência e tecnologia e da industrialização da economia da região.

Comparando-se o perfil brasileiro de interações entre grupos de pesquisa e empresas com os da Argentina e do México, notam-se relações mais frequentes e densas no Brasil. Para Suzigan, isso é reflexo de uma estrutura industrial mais diversificada. “Por outro lado, a comparação com os Estados Unidos coloca o Brasil em posição desfavorável”, disse.

Conhecimentos mais valorizados

Suzigan salienta que o projeto permitiu identificar as áreas de conhecimento mais valorizadas pelas empresas: as engenharias (principalmente de materiais, metalúrgica e de minas); ciência da computação; agronomia; e química básica.

Pelo menos uma dessas áreas foi reconhecida como de importância alta ou moderada pela maioria das empresas constituintes da amostra de 20 dos 23 setores estudados (quatro setores foram desconsiderados por terem menos de quatro empresas respondentes), como mostra o gráfico abaixo.

Os percentuais do gráfico, expressos em seu eixo vertical, correspondem à proporção de empresas que afirmaram a importância alta ou moderada das áreas de conhecimento relacionadas. Assim, por exemplo, no setor de produção vegetal e animal, caça e serviços relacionados, 75% das empresas entrevistadas declararam que a área de agronomia é de importância alta ou moderada para suas inovações (ponto “A” indicado no gráfico. Clique na imagem para ampliar).

 


 

Gráfico: Proporção de empresas da amostra, por setor, que consideram as áreas de conhecimento de importância alta ou moderada para suas inovações / Fonte: Elaboração a partir de dados levantados na pesquisa.

De acordo com os pesquisadores do projeto, um resultado surpreendente foi a descoberta de que, no Brasil, as interações de indústrias de tecnologia média-baixa com instituições de pesquisa são relativamente fortes, se comparadas com as que envolvem indústrias de alta – e média-alta – tecnologia.

Para o professor Eduardo da Motta e Albuquerque, do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador dos estudos regionais do Projeto Temático para o Estado de Minas Gerais, essa configuração é resultante de um sistema industrial baseado em inovações de processos.

“Não geramos tanto inovações de produto. Assim, as demandas das empresas focam em inovações incrementais e na adaptação de tecnologias. Se as políticas públicas pretendem mudar esse panorama, será necessário promover atividades produtivas e científicas na área de alta tecnologia, modificando assim a estrutura industrial”, disse.

Contribuições

Durante a vigência do Projeto Temático, as ações, eventos e produções resultantes contribuíram para consolidar a percepção sobre a importância do tema no meio acadêmico, nas agências de fomento a pesquisa, em instituições gestoras de políticas públicas e entre empresas.

A produção resultante do projeto é vasta: 35 seminários, 76 trabalhos acadêmicos (de monografia a pós-doutorado), mais de 40 artigos publicados, dezenas de apresentações em eventos nacionais e internacionais e dois livros, um já publicado (Suzigan W.; Albuquerque E.; Cario S. – organizadores – Em Busca da Inovação: interação universidade-empresa no Brasil. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2011) e outro, em revisão, com prefácio do professor Richard Nelson, da Universidade Colúmbia, Estados Unidos, um dos principais pesquisadores sobre processos de inovação e interações entre universidades e empresas.

“Esse livro, que está prestes a ser publicado, sistematiza e articula as informações levantadas ao longo do projeto, no que se refere a empresas e instituições de pesquisa. Nele, elencamos as principais conclusões e apresentamos uma tabela-síntese inédita, que relaciona os dois lados da parceria: setores econômicos que interagem com cientistas e áreas do conhecimento que são relevantes para a atividade inovativa das empresas”, disse Suzigan.

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