2 de outubro de 2024 Método da ForNano para indicar a solubilidade de fármacos se torna padrão da Anvisa
Pesquisadoras da empresa-filha da Unicamp desenvolvem um know-how praticamente exclusivo no país e de grande importância para a indústria farmacêutica
Esta matéria compõe a série Prêmio Inventores 2024 | Texto: Christian Marra – Inova Unicamp | Fotos: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp
Para serem eficazes e oferecerem ação rápida, os medicamentos necessitam apresentar um nível adequado de solubilidade em água. Quando um fármaco não tem essa propriedade, uma possibilidade é adicionar um surfactante (detergente) na formulação. Esse agente tensoativo induz a formação de aglomerações de moléculas (micelas) na composição, o que torna o medicamento solúvel e estável.
Contudo, identificar a concentração ideal do surfactante na formulação para formar as micelas, medida denominada Concentração Micelar Crítica (CMC), não é simples. Mas uma startup incubada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Incamp) desenvolveu um know-how com alto grau de precisão para essa análise e é praticamente a única empresa do país com domínio desse método, de grande importância para indústria farmacêutica. A medida do CMC é tão relevante que se tornou uma exigência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para aprovar novos medicamentos que usam surfactantes para garantir a sua solubilidade.
Essa empresa é a ForNano, startup incubada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp) e fundada em 2022 por duas ex-alunas da Unicamp, as farmacêuticas Juliana Oliveira e Viviane Damasio. Ambas fizeram pesquisas de doutorado no Instituto de Biologia (IB) da Unicamp (Damasio também cursou o seu mestrado no IB) e trabalharam no desenvolvimento desse know-how com a docente Eneida De Paula, professora colaboradora do IB, e com outro ex-doutorando do IB, Gustavo Rodrigues da Silva. Juntos, eles desenvolveram o primeiro método para uma quantificação precisa da CMC de detergentes usados como solubilizantes de medicamentos.
Com a técnica desenvolvida, eles procuraram a Agência de Inovação Inova Unicamp para licenciar a tecnologia e assegurar a proteção intelectual do know-how. Além disso, receberam suporte para elaborar os contratos transferência de tecnologia e conheceram os caminhos para o desenvolvimento da startup voltada às áreas de nanotecnologia e quimiometria.
Como começou o desenvolvimento do método de quantificação da CMC
A professora De Paula, que atua como consultora da startup, explica que a quantificação do CMC era um desafio tecnológico desejado pela indústria farmacêutica. “As empresas precisavam demonstrar à Anvisa que um medicamento continha um componente específico para solubilizar um princípio ativo, garantindo que a formulação fosse estável e tivesse solubilidade adequada. Inspirada por esse desafio, começamos a desenvolver o método”.
Para isso, na pesquisa foram aplicadas técnicas de espectrofluorimetria, um procedimento que mede a fluorescência emitida por uma substância após ser submetida à ação da luz em uma determinada frequência. “Foi assim que pudemos identificar a existência de agregados de detergente, as micelas, que é onde o medicamento estava banhado, apresentando assim as propriedades de solubilidade desejadas”, explica De Paula.
Para o método ser executado com precisão e proporcionar resultados seguros, o desafio é identificar a concentração crítica do detergente na formulação do medicamento, o que foi alcançado pela equipe de pesquisa. Embora a aplicação dessa técnica fosse conhecida no meio científico, os conhecimentos e procedimentos que levaram ao desenvolvimento do método de caracterização chamou a atenção da indústria farmacêutica, conforme comenta a pesquisadora Damasio:
“A aplicação dessa técnica é conhecida, porém o know-how para quantificar a concentração micelar de detergentes em uma formulação farmacêutica é algo que só nós dominamos. Um atrativo para isso é que o método permite que as empresas gastem menos com insumos, que são formulações caras, além de o método exigir uma baixa quantidade de medicamentos para garantir a determinação”, detalha Damasio.
Proteção do know-how desenvolvido e criação da ForNano
Uma vez desenvolvida a técnica, as pesquisadoras sabiam da importância de licenciar a tecnologia, pois seu potencial de aplicação na indústria farmacêutica era elevado. “Esse know-how tinha, e até hoje tem, um valor muito importante para a indústria. E a Inova Unicamp nos auxiliou em todos os trâmites necessários para licenciar a tecnologia, o que permitiria que, tanto as empresas quanto a Universidade fossem beneficiadas com ela, promovendo uma inovação sustentável e sustentada”, acrescenta a pesquisadora.
Quando um licenciamento é concluído, uma tecnologia torna-se apta a ser comercializada. Foi com esse objetivo que Oliveira e Damasio criaram, em 2022, a ForNano, uma startup considerada spin-off acadêmica da Unicamp, ou seja, uma empresa criada a partir dos resultados de uma pesquisa, conhecimento ou tecnologia da Universidade. Ela está incubada na Incamp a fim de aperfeiçoar seu modelo de negócio e está hospedada no prédio Núcleo do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, complexo gerenciado pela Inova.
Hoje, a incubada já atende outras empresas com a tecnologia. Os principais clientes da ForNano, como explica Damasio, são as indústrias farmacêuticas: “elas são numerosas e competem para lançar medicamentos no mercado nacional. Quando elas introduzem pequenas modificações em novas formulações, elas precisam demonstrar à Anvisa que o fármaco é solúvel e estável. E nós podemos atestar tudo isso com o know-how que desenvolvemos”, comenta a farmacêutica.
Ela acrescenta que os medicamentos antineoplásicos (quimioterápicos usados no tratamento do câncer) e soluções oftálmicas costumam ser os que mais demandam esse tipo de análise.
Determinação do CMC, uma nova exigência da Anvisa
A professora De Paula observa ainda que o desenvolvimento do método encontrou receptividade favorável da Anvisa desde os primeiros momentos. “Assim que desenvolvemos o método, encaminhamos os primeiros resultados à Anvisa. A Agência recebeu as nossas análises, e para nossa satisfação, elas foram muito bem-aceitas”, comenta De Paula.
Desde então, o método de determinação do CMC, desenvolvido na Unicamp, passou a ser uma exigência da Anvisa. Antes, não havia uma maneira precisa de assegurar se a solubilidade de um medicamento nas formulações micelares era adequada, motivando ainda mais a impulsionar a criação da startup:
“Nossas análises alcançaram um ótimo resultado e esse tipo de caracterização de uma formulação farmacêutica tornou-se obrigatório para a Anvisa. A Agência passou a exigir esses testes para garantir a segurança dos novos medicamentos e atestar que os fármacos sejam realmente solúveis, o que é muito importante para o paciente. Podemos dizer que ‘lançamos escola’”, completa De Paula.
Planos de crescimento da ForNano
Atualmente, a ForNano tem em sua clientela empresas que são atendidas de forma recorrente e outras de maneira pontual. Para acelerar o crescimento da startup, Damasio comenta que elas estão participando do Speed, um programa de aceleração do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, chamado “Sebrae for Startups”. “Esperamos assim aumentar a visibilidade da ForNano como a empresa responsável pela realização do teste da CMC”, acrescenta Oliveira.
A pesquisadora também afirma que, nesse processo empresarial, a Incamp tem oferecido uma valiosa ponte com o mercado. “O mercado farmacêutico é muito difícil de ser acessado. E a Incubadora nos proporciona importantes orientações e programas de aperfeiçoamento, sobretudo no âmbito administrativo. Nosso foco é a pesquisa. A Incamp é quem auxilia a nos desenvolvermos como empreendedores”, afirma Oliveira.
Ela finaliza explicando que a ForNano já participou do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), em sua Fase 1, e também do programa Pipe Empreendedor da Fundação. “Agora estamos preparando uma parceria com uma indústria para escalonar as pesquisas. Isso vai facilitar a nossa aplicação para a Fase 2 do PIPE, o que pode acelerar ainda mais as frentes de crescimento que projetamos”, completa Oliveira.
PRÊMIO INVENTORES 2024
INVENTORES PREMIADOS:
Eneida De Paula (IB Unicamp), Viviane Aparecida Guilherme Damasio (ForNano), Juliana Damasceno Oliveira (ForNano) e Gustavo Henrique Rodrigues Da Silva foram premiados na categoria Propriedade Intelectual Licenciada no Prêmio Inventores 2024.
SPIN-OFF PREMIADA:
A ForNano é uma spin-off acadêmica da Unicamp especializada em serviços de pesquisa e desenvolvimento, testes de caracterização e consultoria em formulações nanotecnológicas visando atender às legislações vigentes.
A startup foi fundada em 2022 por duas ex-alunas do Instituto de Biologia (IB) e está incubada na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp). A empresa desenvolveu um método exclusivo de alta precisão para caracterização de medicamentos, essencial para a indústria farmacêutica, que se tornou referência nacional e padrão para a Anvisa.
PROGRAMAÇÃO DE HOMENAGENS
Esta reportagem integra a série de reportagens especiais em celebração ao Prêmio Inventores 2024, que abordam algumas das tecnologias licenciadas, absorvidas pelo mercado e empresas spin-offs acadêmicas da Universidade Estadual de Campinas. Você pode acessar esses conteúdos pelo site da Inova ou em formato de ebook na Revista Prêmio Inventores 2024 com lançamento previsto para este mês. A programação do Prêmio Inventores também incluiu o webinar sobre os 20 anos da Lei de Incentivo à Inovação e casos de sucesso de tecnologias da Unicamp absorvidas no mercado, que aconteceu no dia 10 de setembro. A gravação do webinar está disponível neste link.
Confira todos os premiados e homenageados no site Prêmio Inventores da Unicamp.
Os patrocinadores do Prêmio Inventores 2024 são: ClarkeModet e FM2S