20 de setembro de 2024 Unicamp e BioAcids Tech desenvolvem tecnologia que produz ácido orgânico de forma contínua e com maior pureza
Método que surgiu em acordo de pesquisa e desenvolvimento da Universidade com a empresa, que é uma spin-off acadêmica da Unicamp, reduz o tempo de fermentação de microrganismos e pode ser utilizado em uma ampla gama de aplicações, entre elas, a produção de etanol com maior nível de pureza
Esta matéria compõe a série Prêmio Inventores 2024 | Texto: André Gobi – Inova Unicamp | Fotos: Pedro Amatuzzi e André Gobi – Inova Unicamp
Um tema central nas discussões sobre transição energética é a busca por métodos de produção mais eficientes, ecologicamente sustentáveis e cujos produtos sejam acessíveis para o grande público com custos adequados, especialmente quando se trata do mercado de combustíveis. No atual cenário, os processos biotecnológicos convencionais contam com uma cadeia de produção composta por várias etapas de grande complexidade, o que demanda muito tempo e custo de operação, gerando quantidades consideráveis de resíduos, apesar de estarem dentro da chamada “economia circular”. Assim, os processos relacionados à biotecnologia ainda são caros e desafiadores em termos de sustentabilidade ambiental.
No entanto, uma alternativa aos métodos tradicionais de produção foi desenvolvida em parceria de pesquisa e desenvolvimento (P&D) entre a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a BioAcids Tech, uma empresa spin-off da Unicamp (como são chamados os negócios baseados em uma tecnologia da Universidade), que atua na produção de ácidos orgânicos e com soluções que também podem ser empregadas para produção de etanol.
Intitulada como Processo de Obtenção de Biocatalisador, Biocatalisador e Uso do Mesmo, a tecnologia foi desenvolvida pelos inventores Lucídio Cristovão Fardelône, químico da BioAcids Tech, que é cotitular do pedido de patente, e pelo professor Gustavo Paim Valença, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. Com apoio da Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp), a tecnologia foi licenciada com exclusividade pela BioAcids.
Nesta nova técnica de fermentação, microrganismos ou enzimas podem ser encapsulados em esferas biopoliméricas para obtenção de vários produtos, tais como ácido lático (usado na indústria de alimentos e aplicações industriais), etanol (combustível), ácido cítrico (indústria de alimentos e farmacêutica), ácido glucônico (aplicações nas áreas médicas, de alimentos, de cosméticos, industrial), entre outros.
Uma vez dentro destas esferas, os microrganismos estão protegidos, tornando-os menos susceptíveis às condições do meio e protegidos da competição contra outros microrganismos normalmente encontrados em meios fermentativos, resultando em aumento de produtividade e maior longevidade na fermentação.
“Você tem níveis muito menores de contaminação porque o meio já contém ácido e ele não permite que outros microrganismos cresçam, ou seja, sempre terá uma situação desfavorável a outros organismos, sem necessidade de fazer tratamentos complexos. Como outros microrganismos não entram dentro da esfera, é como se não acontecessem contaminações”, explica Fardelône, gestor de P&D da BioAcids.
Segundo o inventor, há um grande leque de oportunidades com o uso desta tecnologia, que não se aplicam apenas para ácidos orgânicos, podendo ser aplicada nas áreas de medicamentos, alimentícia, agroquímica, entre outras. “Esta técnica também pode ser usada para encapsulamento de enzimas, ao invés de microrganismos, ou mesmo misturas destes. A aplicação é bem vasta e podemos, por exemplo, produzir cervejas, vinhos e espumantes de melhor qualidade”, ressalta.
Produção contínua e ganho de tempo
De acordo com os inventores, outra vantagem desta tecnologia é que o processo de produção fica bem mais simples, uma vez que elimina várias operações unitárias de custos elevados existentes nos procedimentos tradicionais – como a esterilização das matérias-primas e do caldo fermentado, além de ser um processo contínuo. O processo tradicional utilizado é semicontínuo ou em batelada, ou seja, é necessário aguardar a finalização de uma operação para que outra possa ser iniciada. Já na fermentação realizada por encapsulamento dos microrganismos, não existe a necessidade de interrupção de um processo para o início da próxima produção.
“O açúcar é adicionado continuamente no fermentador contendo o biocatalisador. Conforme esse açúcar é convertido em produto, este é retirado por meio de um sistema de filtração, onde de um lado sai o produto, que é o ácido. O açúcar que não é filtrado volta para o biorreator, e assim temos um processo contínuo, de maior produtividade e com produtos de altíssima pureza. Estas vantagens são os diferenciais desta tecnologia”, explica Paim Valença.
No processo tradicional, após o período de fermentação, os microrganismos utilizados não podem ser reaproveitados, gerando uma quantidade significativa de resíduos. Já na fermentação encapsulada, testes mostraram que os microrganismos dentro das esferas foram utilizados por até oito meses de forma contínua, gerando um processo fermentativo muito mais sustentável ecologicamente, com custos menores. Sendo mais produtivo, todo o processo pode ser realizado com equipamentos menores e ocupar menos espaço, de acordo com professor da FEQ Unicamp.
Tecnologia gerada da relação Universidade-Empresa
A BioAcids se graduou no programa de incubação, no qual contou com apoio para capacitação empresarial e acompanhamento oferecidos pela Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp), sob gestão da Inova. Atualmente, a empresa está hospedada no prédio LIB do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, também gerenciado pela Agência de Inovação.
Assim, a ideia inicial do nascimento da empresa partiu de profissionais que têm ou tiveram vínculo com a Unicamp, como é o caso do pesquisador Lucídio Cristovão Fardelône, que realizou doutorado e pós-doutorado no Instituto de Química (IQ) e pós-doutorado na Faculdade de Engenharia Química (FEQ), e de Kurts Campos, que fez tanto sua graduação quanto seu mestrado na FEQ. Segundo os empreendedores, essa relação universidade-empresa é crucial para promover a troca de conhecimento e tecnologia, de forma que as invenções desenvolvidas no meio acadêmico possam, por meio de empresas como a BioAcids, chegar ao mercado.
Foi dessa relação que Unicamp e a BioAcids, por meio de cooperação-técnica e intercâmbio de conhecimentos, realizaram atividades de P&D que resultaram no desenvolvimento conjunto da tecnologia para obtenção do biocatalisador, que foi licenciada de forma exclusiva para a empresa, assegurando o direito de exploração de inovações técnicas e produtos obtidos em virtude da invenção.
“Estar dentro da Universidade traz vários benefícios. A nossa tecnologia foi resultado de uma pesquisa desenvolvida na Unicamp e é um processo que, até onde temos visto, ninguém tem conseguido fazer no mundo com os mesmos resultados”, ressalta Kurts Campos, diretor da BioAcids.
Se por um lado a Universidade, enquanto instituição de excelência em pesquisas, fornece o conhecimento para o desenvolvimento técnico, a preparação para a formação de uma empresa, atuação comercial e relacionamento com o mercado são fomentados pela Inova Unicamp.
“O ecossistema empreendedor fomentado pela Inova ajuda bastante, dá uma visibilidade diferente, além da rede de contatos. A estrutura que temos hoje, todo o ambiente de negócios é graças ao Parque Científico e Tecnológico da Unicamp e foi assim que conseguimos avançar nas pesquisas. Seguramente, sem esse apoio não teríamos saído do lugar, a ideia não teria avançado tanto, inclusive a Agência apoiou no pedido de depósito e gestão da patente”, ressalta Campos.
PRÊMIO INVENTORES 2024
INVENTORES PREMIADOS:
Gustavo Paim Valença (FEQ Unicamp) e Lucídio Cristovão Fardelône (FEQ Unicamp) foram premiados na categoria Propriedade Intelectual Licenciada no Prêmio Inventores 2024.
SPIN-OFF HOMENAGEADA:
A BioAcids Tech Brasil foi premiada na categoria Spin-off Acadêmica, que reconhece empresas criadas a partir dos resultados de uma pesquisa ou conhecimentos desenvolvidos na Unicamp, com propriedade intelectual protegida ou não. A startup integra o Parque Científico e Tecnológico da Unicamp, que é gerenciado pela Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas (Inova Unicamp), desde 2020. Atua na produção de ácidos orgânicos através do uso de microrganismos encapsulados a partir de fontes renováveis, como a cana-de-açúcar, e no fornecimento de tecnologia para indústrias de biotecnologia.
PROGRAMAÇÃO DE HOMENAGENS
Esta reportagem integra a série de reportagens especiais em celebração ao Prêmio Inventores 2024, que abordam algumas das tecnologias licenciadas, absorvidas pelo mercado e empresas spin-offs acadêmicas da Universidade Estadual de Campinas. Você pode acessar esses conteúdos pelo site da Inova ou em formato de ebook na Revista Prêmio Inventores 2024 com lançamento previsto para este mês. A programação do Prêmio Inventores também incluiu o webinar sobre os 20 anos da Lei de Incentivo à Inovação e casos de sucesso de tecnologias da Unicamp absorvidas no mercado, que aconteceu no dia 10 de setembro. A gravação do webinar está disponível neste link.
Confira todos os premiados e homenageados no site Prêmio Inventores da Unicamp.
Os patrocinadores do Prêmio Inventores 2024 são: ClarkeModet e FM2S