Ingrediente com função prebiótica para substituir a gordura animal saturada

Marise Rodrigues Pollonio, uma mulher branca de cabelos lisos, com corte chanel, e óculos, apresenta uma amostra da emulsão gel prebiótica desenvolvida pelos pesquisadores da FEA Unicamp. Fim da descrição.
Equipe de pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp desenvolveu uma emulsão gel capaz de substituir, com propriedades funcionais, a gordura saturada em produtos à base de carne suína.

Texto: Christian Marra | Fotos: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp

Alimentos processados elaborados principalmente com carne suína, como salsicha, linguiça ou mortadela, contêm entre os seus ingredientes a gordura de porco, também chamada de toucinho. Essa matéria-prima industrial possui importantes funções tecnológicas e sensoriais, tais como maior resistência à oxidação, textura adequada, cor e sabor típico. Apesar desses benefícios, a gordura de porco é rica em gordura saturada, e por isso, o seu consumo excessivo pode ser prejudicial à nossa saúde, com aumento do risco de várias doenças crônicas, tais como obesidade, problemas cardiovasculares, alguns tipos de câncer, entre outros potenciais danos ao organismo.

No entanto, produtos cárneos processados à base de carne suína são fontes de proteínas de alto valor biológico, pois eles contêm minerais e vitaminas, principalmente do complexo B e  seu consumo no Brasil é bastante elevado em função de sua praticidade, conveniência, hábitos alimentares e custo inferior quando comparado aos cortes de carne in natura.

Nesse cenário, tornar tais alimentos mais saudáveis tem sido o objetivo de várias linhas de pesquisa. Surgiu assim o interesse de um grupo de pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em desenvolver um ingrediente capaz de substituir a gordura animal em suas propriedades tecnológicas e ainda agregar benefícios funcionais.

“Começamos a pesquisar um ingrediente que pudesse substituir a gordura saturada em produtos cárneos e oferecer outras propriedades benéficas ao organismo. Foi assim que desenvolvemos uma emulsão gel prebiótica para essa finalidade, dotada das mesmas propriedades físicas da gordura suína, como textura, consistência, sabor etc., porém livre de gordura saturada e com outros benefícios adicionados”, explica Rosana Goldbeck, professora e pesquisadora da FEA.

Para agregar um benefício ao ingrediente, os pesquisadores optaram pelo uso do xilo-oligossacarídeo (XOS), um açúcar que acrescenta uma função prebiótica e cujo método de obtenção pode ser realizado a partir do bagaço da cana-de-açúcar. “Escolhemos uma fonte de recursos abundante e acessível para favorecer a viabilidade da aplicação do XOS ao produto e ainda criar uma alternativa sustentável”, acrescenta Goldbeck, que menciona que a pesquisa contou com a assessoria da Agência de Inovação da Unicamp (Inova Unicamp) para a proteção de propriedade intelectual.

As vantagens da função prebiótica nos alimentos

Rosana Goldbeck, uma mulher branca de cabelos com mechas loiras mexe em equipamento do laboratório da FEA Unicamp.

Rosana Goldbeck explica que a partir da hidrólise enzimática do bagaço da cana é possível produzir xilo-oligossacarídeos, ingrediente prebiótico com benefícios à saúde, e que se trata de uma alternativa sustentável por utilizar um resíduo agroindustrial.

Substâncias prébióticas são aquelas não digeríveis pelo organismo humano, mas que servem como alimento para as bactérias benéficas presentes no sistema digestivo, criando assim um ambiente intestinal saudável e equilibrado.

De acordo com Goldbeck, a função prebiótica do XOS, escolhido para compor a emulsão gel, já era conhecida: “Mesmo assim, tínhamos o desafio de saber se, uma vez incorporado à emulsão, ele conservaria a sua função prebiótica. E a resposta foi positiva. Os ensaios comprovaram que, mesmo após a mistura com a emulsão gel, essa função prebiótica foi mantida”, afirma a pesquisadora.

Ela acrescenta que, para a obtenção do XOS a partir da cana-de-açúcar, é possível usar processos limpos e não agressivos ao ambiente. Como o bagaço da cana-de-açúcar é um produto normalmente descartado pela indústria, a tecnologia desenvolvida usa como base uma fonte sustentável, o que favorece a sua aplicação.

Ainda a esse respeito, Marise Rodrigues Pollonio, professora da FEA que também integrou o grupo de pesquisa, explica que um dos maiores desafios no processamento de produtos como salsicha, mortadela, linguiça etc. é substituir o toucinho e ainda manter as características de identidade desses produtos. “A gordura saturada do toucinho, nessa invenção, foi substituída por óleos vegetais com melhor perfil de ácidos graxos, sendo estabilizados juntamente com o ingrediente prebiótico XOS. Os resultados obtidos em diferentes experimentos indicaram sucesso nessa reformulação, o que poderá ser altamente relevante para a indústria de processamento”, afirma Pollonio.

A emulsão gel, uma solução com maior estabilidade

A equipe de pesquisadores da FEA, formada por (da esq. para a dir.) Rosiane Lopes da Cunha, Marise Aparecida Rodrigues Pollonio, João Luís Faneco Paschoa e Rosana Goldbeck, está enfileirada em frente a uma bancada de mármore onde estão amostras dos ingredientes utilizados no desenvolvimento da emulsão gel com potencial de substituir, de forma mais saudável, a gordura animal saturada. Fim da descrição.

A equipe de pesquisadores da FEA, formada por (da esq. para a dir.) Rosiane Lopes da Cunha, Marise Aparecida Rodrigues Pollonio, João Luís Faneco Paschoa e Rosana Goldbeck.

Reduzir o teor de gordura saturada em produtos cárneos é um desafio permanente da indústria alimentícia. Para substituí-la, em geral são usadas emulsões compostas por óleos e água. Mas esta combinação tem o inconveniente dos componentes não serem miscíveis, e por isso, requerem o uso de agentes emulsificantes para reduzir a sua instabilidade.

Por outro lado, o gel é uma substância mais estável, com uma estrutura molecular capaz de reter água e outros componentes. “Graças à sua maior estabilidade, as emulsões gel têm se consolidado como uma solução promissora para uso na indústria de alimentos”, afirma Pollonio.

Ela comenta que sua aplicação em produtos cárneos ainda é incipiente. “Mas a emulsão gel desenvolvida nesta pesquisa é um ingrediente que pode ser incorporado tanto na formulação de produtos emulsionados cárneos tradicionais, como também em produtos híbridos ou aqueles denominados plant-based, ou seja, à base de plantas, sem o uso de ingredientes animais”, explica a pesquisadora.

Maior capacidade de conservação alimentar e menos calorias

Rosiane Lopes da Cunha, professora da FEA e também integrante do grupo de pesquisa, acrescenta outros benefícios que o uso do XOS proporcionou à emulsão gel desenvolvida: maior estabilidade ao longo do tempo e maior capacidade de preservação dos aromas e dos sabores dos alimentos em que é adicionada.

Rosiane Lopes da Cunha é uma mulher branca de cabelos castanho na altura do ombro, veste óculos e jaleco branco. Está com os braços cruzados posando para a foto destro do laboratório da FEA Unicamp onde a emulsão gel foi desenvolvida.

Rosiane Lopes da Cunha afirma que a adição do XOS à emulsão também favoreceu uma maior preservação dos aromas e sabores do ingrediente ao longo do tempo.

Ela afirma que “a emulsão gel alcançou propriedades físicas similares às do toucinho, a gordura suína. A textura e a consistência foram semelhantes, suprindo assim a sua função tecnológica. Mas apesar dessa similaridade, as composições de ambos são diferentes. E nós descobrimos que, quando o XOS foi introduzido na emulsão gel, ele permitiu reduzir a oxidação lipídica. Esta é outra grande vantagem que ele proporciona”, detalha a pesquisadora.

A oxidação lipídica é um processo químico decorrente da reação entre os lipídios (gorduras e óleos) e o oxigênio, sendo uma das principais causas da deterioração de alimentos. Quando ela ocorre, eles perdem as suas qualidades, com mudanças no sabor, aroma, cor e valor nutricional.

Cunha também explica que “as gorduras insaturadas tendem a se oxidar mais facilmente que as saturadas. Por isso, se por um lado ganharíamos nutricionalmente com a introdução da gordura insaturada, por outro perderíamos em termos de oxidação. A inclusão do XOS evitou essa perda, pois ele contribuiu para reduzir a oxidação lipídica. Dessa forma, ele proporcionou ganhos tecnológicos e nutricionais à emulsão gel”, finaliza Cunha.

Outro benefício da substituição da gordura suína pela emulsão gel prebiótica foi a redução do teor calórico, em virtude da diminuição da quantidade de lipídeos em sua composição. “Quando o toucinho é substituído pela emulsão gel, há uma redução do teor de gorduras, e consequentemente, do teor calórico total, uma vez que na elaboração desta emulsão gel, o óleo vegetal é combinado com quase 50% de água”, detalha a professora Marise Pollonio.

Essa redução calórica ocorre pois os lipídeos são uma categoria de macronutrientes densa em energia. Ao substituí-lo pela emulsão, naturalmente diminuiu a quantidade de gorduras e, portanto, também foi reduzido o total de calorias por porção do alimento, o que pode ser um fator atraente para consumidores que desejam uma dieta com menor teor calórico.

Substituição com as mesmas propriedades físicas

João Luís Faneco Paschoa é um homem jovem branco, ele está de costas para a foto, veste jaleco branco e mexe em equipamento misturador no laboratório da FEA Unicamp onde a emulsão gel foi desenvolvida. Fim da descrição.

Segundo João Luís Faneco Paschoa, a clarificação do XOS em laboratório, para ele alcançar a mesma coloração da gordura animal, foi um desafio importante nesta pesquisa.

A substituição de um ingrediente, para ser satisfatória, passa necessariamente pela reprodução das propriedades físicas do componente que será removido. Por isso, um dos desafios desta pesquisa foi a obtenção de um ingrediente que fosse mais saudável e que apresentasse as mesmas características físicas da gordura de porco.

“O toucinho possui propriedades físicas importantes para dar funcionalidade, consistência, textura, sabor e aroma aos produtos cárneos. A emulsão gel obtida alcançou essas mesmas características”, afirma Pollonio.

Contudo, a inclusão do XOS exigiu um novo desafio: ao ser extraído da cana, este tipo de açúcar ganha uma coloração mais escura que a da gordura suína. Como comenta João Luís Faneco Paschoa, pesquisador da FEA que integrou o grupo e cuja dissertação de mestrado abordou o tema, “foi preciso incluir um processo de clarificação do XOS em laboratório para que ele alcançasse a mesma coloração da gordura animal, porém preservando as suas características. Nós conseguimos esse resultado, mas foi um desafio a mais ao longo da pesquisa”, comenta o pesquisador.

Potenciais aplicações da emulsão gel prebiótica desenvolvida na Unicamp

Na pesquisa desenvolvida na Unicamp, a gordura suína foi escolhida como objeto de estudo em virtude de seu alto consumo pela população. Mas os pesquisadores explicam que a emulsão gel prebiótica é um ingrediente com potencial de aplicação em outros produtos cárneos, que tenham origem em outros tipos de animais.

Além disso, o ingrediente pode ser incorporado na formulação tanto de produtos emulsionados cárneos tradicionais quanto de produtos plant-based ou de produtos híbridos (uma mescla de ambos), que têm sido cada vez mais consumidos. Dessa forma, além de suas propriedades funcionais que despertam o interesse dos consumidores, o ingrediente tem um atrativo a mais junto aos segmentos do público que evitam o consumo de carne animal, pois a emulsão gel substitui um ingrediente com esse tipo de origem.

Como licenciar uma tecnologia da Unicamp

A Inova Unicamp disponibiliza no Portfólio de Tecnologias da Unicamp uma vitrine tecnológica. Empresas e instituições públicas ou privadas podem licenciar a propriedade intelectual desenvolvida na Unicamp, com ou sem exclusividade, tais como patentes, cultivares, marcas, software e know-how. O contato e negociação são realizados diretamente com a Agência de Inovação da Unicamp pelo formulário de conexão com empresas. A Inova Unicamp também oferta ativamente as tecnologias para as empresas, com a intenção que o conhecimento gerado na Universidade chegue ao mercado e à sociedade. Para conhecer outros casos de licenciamento de tecnologias da Unicamp acesse o site da Inova.