Pesquisa para reaproveitamento de cascas de laranja confere reconhecimento a professora da Unicamp

Professora Rosana Goldbeck é uma mulher branca, de cabelos longos e loiros. Ela vesre jaleco branco sobre blusa preta e posa para foto com os braços cruzados. Ao fundo ambiente laboratorial. Fim da descrição.
Rosana Goldbeck é uma das ganhadoras do Prêmio 25 Mulheres na Ciência Américas 2024, realizado pela 3M

Texto: Helena Tallmann – SEC Unicamp | Foto de Capa: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp 

Rosana Goldbeck, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, está entre as vencedoras do Prêmio 25 Mulheres na Ciência Américas 2024, realizado pela empresa 3M. A quarta edição do prêmio focou projetos que visam à sustentabilidade ambiental. O reconhecimento veio no mesmo momento em que Goldbeck completa dez anos como pesquisadora da Universidade. Ao longo desses anos, a professora tem se dedicado ao desenvolvimento de projetos de pesquisa e inovação sustentáveis.

“Nosso foco é o aproveitamento de resíduos agroindustriais para a produção de bioprodutos de interesse industrial. O resíduo que seria descartado, podendo causar impacto ambiental, nós o valorizamos e transformamos em um ingrediente para a indústria”, explica. É o caso da pesquisa premiada, que cria um processo integrado para a obtenção de pectina, xilo-oligossacarídeos e bioenergia a partir de cascas de laranja, um resíduo abundante e ainda subaproveitado pelo setor produtivo. O estudo, cujo resultado já conta com pedido de patente depositado, foi realizado em conjunto com a doutoranda da Unicamp Manoela Martins e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

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O trabalho, em desenvolvimento há quatro anos, consegue aproveitar completamente os rejeitos provenientes da produção industrial do suco de laranja e pode servir para todas as frutas cítricas. Segundo Goldbeck, a pectina já é um produto de alta demanda, pois utilizado como agente espessante em geleias, iogurtes e outros produtos alimentícios. O processo integrado, por sua vez, permite baratear essa extração e reduzir o consumo de água e solventes. “Estudamos como aproveitar de forma integral esse resíduo para não termos nenhuma perda e gerar o máximo possível de bioprodutos, dentro do conceito de uma biorefinaria. Depois da extração da pectina, há hemicelulose residual, utilizada para a produção de xilo-oligossacarídeos por meio de uma reação enzimática”, explica.

O trabalho desenvolvido há quatro anos consegue aproveitar completamente os rejeitos provenientes da produção industrial do suco de laranja e pode servir para todas as frutas cítricas

O trabalho desenvolvido há quatro anos consegue aproveitar completamente os rejeitos provenientes da produção industrial do suco de laranja e pode servir para todas as frutas cítricas (Fotografia: Antonio Scarpinetti – SEC Unicamp; Edição de Imagem: Paulo Cavalheri – SEC Unicamp).

Segundo a pesquisadora, os xilo-oligossacarídeos são carboidratos não convencionais, com baixo teor calórico, com efeito prebiótico na flora intestinal, estimulando o crescimento e a atividade de bactérias benéficas do intestino, com potencial aplicação em formulações alimentícias destinadas ao consumo humano e à nutrição animal. “Desse processo integrado, também remanesce uma parcela significativa de celulose, que conseguimos queimar para produzir biogás ou converter em açúcar e produzir bioetanol, fechando o ciclo de aproveitamento integral do resíduo e implementando o conceito de economia circular”, completa Goldbeck.

O estudo já despertou o interesse de alguns produtores do setor. A pesquisadora informa estarem sendo disponibilizadas amostras dos produtos gerados para empresas interessadas, por meio de formalização de convênio. Essas empresas devem testar a funcionalidade das amostras. “Nosso objetivo é que a pesquisa saia do papel e chegue até a sociedade”, ressalta. As propriedades funcionais dos xilo-oligossacarídeos também são analisadas para outros usos, em pesquisas realizadas no Laboratório de Engenharia Metabólica e de Bioprocessos da FEA, utilizando diferentes resíduos agroindustriais.

Um incentivo na luta das futuras geraçõespela equidade de gênero

As mulheres ainda são minoria nas áreas de Stem – sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática –, representando apenas cerca de 33% dos pesquisadores desse campo no mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Para modificar essa realidade, diversas iniciativas buscam inspirar e incentivar jovens mulheres a enxergar nas ciências exatas um futuro profissional promissor. Assim a premiação oferecida pela empresa 3M é um estímulo para a categoria.

Goldbeck conta ter sido essa a primeira vez em que se inscreveu para participar da iniciativa 25 Mulheres na Ciência Américas e que fez isso porque esta edição, além de ser específica para mulheres, teve como foco a sustentabilidade. “Eu me enquadrava não somente no quesito da temática, mas também por trazer esse relato das dificuldades de ser uma pesquisadora mulher na área de Stem. Hoje, depois de dez anos na Unicamp, já sou professora livre docente e consegui ter maturidade na pesquisa. Como mulher, esse reconhecimento foi muito importante para mim. Muitas vezes, damos prioridade à vida profissional em detrimento da pessoal, temos que abrir mão de várias coisas. Isso é muito desafiador”, conta.

Rosana Goldbeck conta ter sido essa a primeira vez em que se inscreveu para participar da iniciativa 25 Mulheres na Ciência Américas

Rosana Goldbeck conta ter sido essa a primeira vez em que se inscreveu para participar da iniciativa 25 Mulheres na Ciência Américas (Fotografia: Antonio Scarpinetti – SEC Unicamp; Edição de Imagem: Paulo Cavalheri – SEC Unicamp).

Natural de Santa Catarina, com graduação em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal do Rio Grande, Goldbeck associou-se à Unicamp inicialmente em 2006, enquanto estudante de mestrado. Depois veio o doutorado. Em 2014, alcançou o sonho de ser aprovada em concurso público como docente da Universidade. “São quase cem artigos publicados, dez capítulos de livros, oito patentes depositadas e inúmeros alunos orientados (tanto de graduação como de pós-graduação). Sempre batalhando para conquistar nosso reconhecimento e desenvolver uma pesquisa da qualidade.”

Proveniente de família de classe média baixa, Goldbeck disse que, já na graduação, contou com bolsa, então de iniciação científica, para dar prosseguimento aos estudos, nutrindo o gosto pela pesquisa. “Sempre tive bolsa de estudo e incentivo muito meus alunos. Sabemos a dificuldade que é viver de bolsa, e o quanto de dedicação é necessário na área acadêmica, visto que são anos de estudo até chegar ao mercado de trabalho.” Para ela, reconhecer as pesquisadoras mulheres mostra-se importante porque “incentiva as futuras gerações a lutar pela equidade de gênero e assim contribuir para o aumento do número de cientistas na área de Stem, além de servir de inspiração para os nossos alunos, demonstrando que com dedicação e resiliência conseguimos alcançar nossos objetivos”.  

A inciativa 25 Mulheres na Ciência nasceu em 2020 e tem como objetivo dar visibilidade a mulheres no campo científico e aos impactos de seus trabalhos na sociedade, inspirando meninas e jovens a estudarem nos setores Stem. A quarta edição aceitou projetos relacionados à sustentabilidade ambiental, considerando a crescente demanda por soluções nessa área. Representantes da área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da 3M e convidados externos considerados pessoas relevantes no ambiente científico dos países participantes realizaram o processo de seleção. Foram avaliados critérios como potencial impacto social, inovação, viabilidade e carreira/treinamento do candidato, bem como a maturidade/aplicabilidade da ideia. Participaram pesquisadoras da América Latina e, pela primeira vez, também do Canadá. Das 25 vencedoras, sete são brasileiras. Os projetos premiados farão parte do livro digital 25 Mulheres na Ciência 2024.


Matéria originalmente publicada no Jornal da Unicamp

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