Hidrogel injetável desenvolvido na Unicamp tem potencial para tratar lesões articulares

Foto colorida mostra, em primeiro plano, uma mão que veste luva preta e segura entre os dedos indicador e polegar um pedaço do hidrogel, que se parece com uma gelatina transparente de tons amarelados. Em segundo plano, desfocado, aparece o rosto do pesquisador: um homem jovem e branco que veste uma máscara azul. Fim da descrição.
Solução com ácido hialurônico e gelatina sofre transformação na presença de luz e libera molécula anti-inflamatória capaz de aliviar e tratar lesões articulares.

Texto: Ana Paula Palazi | Fotos: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp

Analgésicos, anti-inflamatórios, colágeno, fisioterapia e até cirurgias. Algumas pessoas já tentaram de tudo e ainda sentem dores nas articulações. A osteoartrite ou artrite é responsável por até 40% das consultas em ambulatórios de reumatologia, segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia. A doença caracterizada pela degradação inicial progressiva da cartilagem limita os movimentos e reduz a qualidade de vida de aproximadamente 12 milhões de brasileiros.

Uma esperança para quem sofre com esse problema é uma solução injetável que se transforma em hidrogel – um material que absorve muita água -, desenvolvida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A tecnologia apresenta alto potencial de inovação para o setor biomédico. O material, bioabsorvível e compatível com os tecidos conjuntivos, permite o reparo de discos intervertebrais e outras articulações no próprio local da lesão, exercendo um papel amortecedor, semelhante ao da cartilagem, o que deve causar alívio da dor e melhoria da mobilidade.

“A princípio ele pode ser aplicado em qualquer articulação”, diz o professor da Unicamp e coordenador da pesquisa, Marcelo Ganzarolli de Oliveira. A invenção inédita levou a Agência de Inovação Inova Unicamp a apoiar o pedido de patente, depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A tecnologia está no Portfólio de Patentes da Unicamp e pode ser licenciada para empresas que desejam levar inovações bioquímicas ao mercado.

A solução sintetizada no Instituto de Química (IQ-Unicamp) é constituída de uma mistura de ácido hialurônico, gelatina e nanopartículas doadoras de óxido nítrico, um gás que exerce ações benéficas no organismo. “O ácido hialurônico em combinação com o óxido nítrico, pode recuperar parcialmente o tecido cartilaginoso durante o tempo de residência do hidrogel na articulação. Não é uma ação sistêmica, é uma ação localizada”, comenta Oliveira.

“O óxido nítrico é gerado naturalmente pelo corpo e, quando liberado a partir do material, em concentrações apropriadas, pode reduzir a inflamação local, contribuindo para a regeneração do tecido”, diz Oliveira, que se dedica ao desenvolvimento de biomateriais doadores de óxido nítrico há mais de vinte anos.

As aplicações tópicas – diretamente na pele – desses biomateriais já demonstraram exercer ações anti-inflamatórias, vasodilatadoras, cicatrizantes e antimicrobianas. O grupo recebe financiamento da FAPESP por meio do Projeto Temático “Biomateriais absorvíveis e tópicos para a liberação localizada de óxido nítrico” e de bolsas para estudantes de pós-graduação.

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Modificação química para formar o hidrogel

O uso de ácido hialurônico e gelatina não é novidade no mercado biomédico, mas a reunião desses dois componentes com nanopartículas doadoras de óxido nítrico numa formulação única é o que torna a proposta original, o que levou a Inova Unicamp a entrar com pedido de proteção da invenção.

“O óxido nítrico é um gás diatômico, uma molécula muito difícil de administrar, enquanto o ácido hialurônico e a gelatina não respondem naturalmente à luz. A partir de modificações químicas conseguimos reunir essas três substâncias numa única formulação com as características desejadas”, diz a Laura Caetano Escobar da Silva, pesquisadora que participou do desenvolvimento da formulação.

Para isso, tanto o ácido hialurônico quanto a gelatina, usados na solução polimérica, foram modificados quimicamente para responderem à luz. O resultado é que o líquido viscoso, injetado no local da lesão, que se transforma em um hidrogel e começa a liberar o óxido nítrico de forma contínua e prolongada. A formação desse hidrogel macio ocorre quando a solução é exposta à luz guiada por uma fibra óptica. A ideia é que a solução possa ser aplicada com técnicas de infiltração tradicionais e gelificada no local. Com isso, os pesquisadores garantem maior adesão e melhor preenchimento.

“Dessa forma, a partir da incidência de luz, as moléculas se ligam formando uma rede tridimensional, que permite a liberação da substância anti-inflamatória no local e na hora em que queremos”, comenta Oliveira. Após a transformação, esse gel resistente, com alta capacidade de absorção de água e fluidos biológicos, funciona como um substituto temporário da cartilagem.

Menos efeitos colaterais

A cartilagem articular recobre as extremidades dos ossos e atua como uma espécie de almofada entre eles, reduzindo o atrito e o impacto causado pela movimentação, explica a pesquisadora do Instituto de Química, Daniele Mayara Catori, que trabalha no desenvolvimento da nova formulação durante o doutorado.

“Devido à baixa irrigação do tecido cartilaginoso, há pouca renovação das células e nutrientes na região intra-articular, o que prejudica a recuperação do tecido lesionado, algo completamente diferente do que acontece com o tecido ósseo, por exemplo. Foi pensando nisso, que selecionamos os componentes dessa formulação, visando fornecer uma matriz temporária para o crescimento celular e os estímulos necessários para auxiliar a reparação local”, comenta Catori.

Quando a cartilagem é danificada por trauma, doença ou simplesmente reduz de tamanho com a idade, os ossos podem se esfregar uns nos outros, causando dor e inflamação. Enquanto tratamentos para a dor com medicamentos anti-inflamatórios oferecem apenas alívio dos sintomas a curto prazo e podem ser prejudiciais ao paciente a longo prazo – e até restritivos para pessoas com hipertensão ou diabetes -, o hidrogel tem efeito terapêutico prolongado no alívio da dor e na melhoria da mobilidade, sendo eliminado lentamente pelo corpo enquanto ajuda no processo de recuperação.

“O material bioabsorvível, em contato com os líquidos corporais, irá liberar lentamente o óxido nítrico, a partir de moléculas doadoras, que tem ação anti-inflamatória e não têm nenhum efeito tóxico para o corpo”, explica.

Efeito terapêutico prolongado

Em testes iniciais de bancada, que simulam as condições que o hidrogel encontraria dentro do corpo humano, houve a liberação prolongada da molécula anti-inflamatória por pelo menos quatorze dias. O novo material polimérico, segundo Catori, apresenta potencial para tratar a dor e estimular o reparo do tecido cartilaginoso em lesões articulares iniciais, causadas por desgaste natural – associado ao envelhecimento da população – ou por impacto, como o que acontece em lesões geradas por acidentes ou atividades físicas com sobrecarga.

Para chegar ao mercado, no entanto, a tecnologia ainda precisa avançar e passar em outros testes. O próximo estágio da pesquisa é conduzir experimentos pré-clínicos, antes de iniciar os testes clínicos em humanos. Como as universidades não produzem e comercializam produtos, o procedimento mais adequado, previsto pela Lei de Inovação, é o da transferência de tecnologia. Assim, para que o produto chegue ao mercado e possa ser produzido em escala comercial, o licenciamento da tecnologia é indispensável.

Na Unicamp, a Agência de Inovação Inova Unicamp é a responsável por receber os contatos e realizar as negociações. Para as empresa interessadas é uma oportunidade de ter acesso à tecnologia de ponta desenvolvida na Universidade, contato com os inventores da Unicamp e ainda a redução dos custos e riscos no desenvolvimento de produtos e processos inovadores. Para a sociedade é a oportunidade de ter um produto nacional de base tecnológica que pode atender uma demanda de saúde pública e bem-estar.

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