4 de outubro de 2022 FAPESP | Clareador dental de cogumelo
Produto com menos efeitos adversos é desenvolvido em projeto interdisciplinar de universidades paulistas
Texto: Tiago Jokura | Foto: Pedro Amatuzzi – Inova Unicamp
Um tipo de cogumelo apreciado no Brasil e muito utilizado na culinária asiática poderá ser uma alternativa em um futuro próximo para um dos procedimentos odontológicos mais comuns no país, o clareamento dental. A novidade, criada por um grupo interdisciplinar de pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp) e Federal de São Paulo (Unifesp), é uma substância feita a partir de um extrato à base de shimeji-preto capaz de remover manchas dos dentes. Segundo seus inventores, o produto desgasta menos o esmalte dentário e não apresenta o efeito colateral da hipersensibilidade, comum após a aplicação de clareadores convencionais disponíveis no mercado.
A fim de acelerar o desenvolvimento de um modelo comercial do novo clareador, a startup WeBee, spin-off da Unicamp, firmou com as duas universidades um contrato de licenciamento do pedido de patente da formulação, depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Com recursos do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, a WeBee pretende testar o extrato em duas formulações: como gel – aplicado em moldes dentais – e enxaguatório bucal. “Tudo correndo bem, prevemos que a primeira versão comercial ficará pronta em cerca de 20 meses”, informa a biotecnologista Dayse Alexia, criadora da startup.
A empreendedora enumera as principais vantagens da invenção, formulada à base de água e do fungo. “Além da composição natural, o extrato provoca menos efeitos colaterais do que os clareadores tradicionais, que podem causar dor, hipersensibilidade, inflamação da gengiva, sensibilidade gástrica, alterações de pH e desmineralização da estrutura dentária.”
A odontologista Débora Alves Nunes Leite Lima, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), da Unicamp, explica que os clareamentos mais comuns, com peróxido de hidrogênio e carbamida, já são capazes de remover pigmentos sem comprometer a estrutura dental. Contudo, essas substâncias podem causar alterações microscópicas no esmalte, como a desmineralização dos dentes. “O agente clareador de shimeji também beneficia pacientes que apresentem alguma alergia ou sensibilidade a formulações convencionais”, afirma Lima, que integrou a equipe responsável pela inovação.
A nova aplicação estética em odontologia empregando fungos comestíveis coube a um time de pesquisadores de três unidades da Unicamp – a FOP, a Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e a Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) – e do Programa de Pós-graduação em Medicina Translacional da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Unifesp. Os inventores e a WeBee foram reconhecidos em maio pela Unicamp com o Prêmio Inventores, que tem como foco contratos de licenciamento de propriedade intelectual.
“A investigação se originou a partir da tese de Maria Cibelle Pauli, uma das minhas alunas no doutorado pela Unifesp”, conta a farmacêutica Gislaine Ricci Leonardi, atualmente professora de cosmetologia da FCF-Unicamp. Motivada pelo potencial da pesquisa de Pauli, focada em clareamento dental, Leonardi convidou o engenheiro de alimentos Juliano Lemos Bicas, do Departamento de Ciência de Alimentos e Nutrição da FEA-Unicamp, para participar do projeto.
“A professora Gislaine me procurou para investigarmos clareadores dentais feitos a partir de alimentos. Sugeri, então, estudarmos as enzimas oxirredutases, que já sabíamos que têm a propriedade de degradar pigmentos”, recorda-se Bicas. “A partir daí, testamos quatro tipos de cogumelos vendidos em supermercados: shitake, shimejis branco e preto, e cogumelo paris, todos eles ricos em enzimas oxirredutases. Desses, o que apresentou melhores resultados foi o shimeji-preto.”
Nos testes em laboratório, o extrato de shimeji se mostrou seguro tanto em aplicações in vitro como em partes de dentes bovinos – essa fase da pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Unicamp. A próxima etapa do desenvolvimento, em planejamento, prevê o teste das duas diferentes formulações (gel e enxaguatório) em humanos.
Durante os estudos, os pesquisadores tiveram uma surpresa quando procederam à esterilização da matéria-prima. Ao expor o cogumelo a altas temperaturas, a expectativa era de que o processo inibisse a ação das enzimas. “Em vez de inativar a propriedade clareadora, o aquecimento aumentou o potencial do extrato. Isso sugere que a ação de clareamento talvez não seja provocada exclusivamente ou diretamente pelas enzimas. Ainda não sabemos o porquê disso”, conta Bicas.
Uma desvantagem do extrato de shimeji é clarear cerca de 25% a menos do que os produtos convencionais. “Curiosamente, esse pode ser um aspecto positivo da formulação, já que muitas vezes a pessoa prefere uma aparência mais natural em vez daquele branco artificial nos dentes”, conta o engenheiro de alimentos da Unicamp.
Para a odontologista Amélia Mamede, diretora de Promoção da Saúde da Associação Brasileira de Odontologia (ABO) que não participou da pesquisa, o produto, considerado por ela “conservador”, deve trazer benefícios aos usuários por ser uma tecnologia sustentável. “Esse tipo de estudo e desenvolvimento deve ser incentivado em todas as universidades para que haja mais tecnologias sustentáveis e apoiadas no tripé ambiental, econômico e social.”
A nova aplicação estética do shimeji-preto também pode resultar em ganhos para os produtores de fungo, normalmente pequenos empreendedores. Como o talo e outras parcelas descartáveis do fungo são tão eficazes no clareamento como as partes vendidas nos supermercados – principalmente o chapéu –, os produtores poderiam aumentar a renda e ao mesmo tempo diminuir o desperdício do cultivo. “Como não precisamos da parte comestível para fazer o clareador, nossa demanda não compete com o alimento”, destaca Bicas. “Em vez de descartar os talos, os pequenos produtores poderiam vendê-los, obtendo uma fonte de renda extra.”
Empreendedorismo
A criação de spin-offs como a WeBee já existe há décadas na Unicamp. Esse movimento, porém, intensificou-se recentemente em razão de mudanças regulatórias favoráveis aos micro e pequenos negócios, como a sanção do Projeto de Lei Complementar no 146/2019, conhecido como marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, em 2021 (ver Pesquisa FAPESP no 305), e a aprovação da Política de Inovação da Unicamp, em 2019.
Ana Frattini, diretora-executiva da Agência de Inovação Inova, afirma que a meta da agência é estimular a criação de pelo menos duas spin-offs por ano e fazer o licenciamento de 20 novas tecnologias. De acordo com ela, o modelo adotado pela instituição estimula a transferência de conhecimento gerado na universidade por meio da criação de novos negócios baseados em ciência e tecnologia, com potencial de gerar impacto social, econômico e ambiental.
“Ao licenciar uma tecnologia da Unicamp, os empreendedores reduzem o tempo, o custo e o risco envolvidos no desenvolvimento de inovações”, comenta a executiva. “Esse modelo movimenta o conceito da tríplice hélice, no qual universidade, governo e empresas interagem para que a inovação aconteça e gere impactos positivos na sociedade.”
Projeto
Produto clareador dental à base de resíduo industrial do processamento de cogumelos (no21/04241-9); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Dayse Alexia de Carvalho de Brito (WeBee); Investimento R$197.967,96.
Matéria original publicada na Revista Pesquisa Fapesp.