Exame de sangue possibilita diagnóstico rápido de doenças mentais e dependência química  

Tubos de vidro com amostras de sangue rotuladas

Método desenvolvido pela Unicamp e Unifesp possibilita diagnóstico pela análise do padrão de metabólitos em amostras sanguíneas. O teste depende de parcerias para avançar nos estudos clínicos e ser aprovado.

Texto: Ana Paula Palazi | Foto: Banco de Imagens/Pixabay

Ao realizar uma análise a partir de amostras de sangue de pacientes com esquizofrenia e usuários de crack, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) identificaram uma série de metabólitos que podem ajudar no diagnóstico preciso de dependentes químicos que apresentam sintomas semelhantes de pessoas com doenças mentais graves, como alucinações e delírio. 

A tecnologia aperfeiçoa um método que usa técnicas de ressonância magnética nuclear e quimiometria – abordagem estatística em dados de origem química – para analisar padrões, nesse conjunto de substâncias produzidas pelo metabolismo. O invento teve a estratégia de proteção feita pela Agência de Inovação Inova Unicamp.

“Quando fazemos o uso de um composto estranho, como o crack, ele provoca uma resposta biológica que afeta todo o nosso metabolismo. Essas alterações podem ser vistas na mudança em concentração de um ou outro metabólito. O que fizemos foi mapear esses metabólitos séricos para entender a base molecular da dependência de crack”, explica Ljubica Tasic, professora do Departamento de Química Orgânica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.  

Apoio ao diagnóstico

Atualmente, o diagnóstico da esquizofrenia é baseado na análise clínica do psiquiatra e depende também da capacidade do paciente relatar os sintomas. Identificar o abuso da droga em fumantes de crack ativos pode ser feito com exames básicos, mas, em abstinência, os biomarcadores da droga se tornam indetectáveis no corpo. Nessa fase, as alterações de comportamento podem ser confundidas com episódios psicóticos.

“Com o método conseguimos associar se a alteração ocorre pelo uso do crack ou se trata de um paciente com esquizofrenia, mesmo que o indivíduo tenha passado do período detectável da droga. Isso é importante, pois a medicação aplicada em cada um dos casos é diferente”, diz Mirian Hayashi, professora no Departamento de Farmacologia da Escola Paulista de Medicina da Unifesp.

A metodologia já foi aplicada, em estudos anteriores, na diferenciação da esquizofrenia e outra doença mental grave, o transtorno bipolar. Os resultados positivos na identificação de um grupo de biomarcadores específicos levaram à concessão da patente. O mesmo aconteceu nos estudos com usuários de crack e derivaram o pedido de um certificado de adição para a patente. 

O estudo ainda apresenta algumas limitações. A pesquisa não explorou, por exemplo, a relação do perfil metabólico com outros fatores como tabagismo, hábitos alimentares e sedentarismo, que podem afetar os resultados. Com isso, são necessárias novas investigações para se chegar a um grupo de marcadores diagnósticos consolidado. 

Caminho da pesquisa

Essa é a primeira vez que a espectroscopia de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) foi usada em usuários de drogas, segundo os pesquisadores. As amostras foram coletadas pelo Departamento de Psiquiatria da Unifesp, preparadas no Departamento de Farmacologia e enviadas para Campinas, onde passaram pelas análises no Departamento de Química Orgânica do IQ da Unicamp.

Na primeira fase, a análise do perfil metabolômico das amostras comparou os resultados dos exames de sangue em indivíduos diagnosticados com esquizofrenia e o grupo controle de pessoas saudáveis. Em seguida, os pesquisadores analisaram os indivíduos dependentes de crack e o grupo controle. Parte dessa pesquisa foi publicada no Journal of Proteome Research da American Chemical Society (ACS). Por fim, o grupo aferiu as diferenças entre os pacientes com esquizofrenia e os usuários de crack.  

Ao menos seis metabólitos-chave foram identificados no processo e as análises mostraram alterações destes metabólitos em todas as populações estudadas. “Uma vez identificada a possibilidade de diferenciação baseada nesse grupo de metabólitos, o ideal seria analisá-los separadamente em um número muito maior de pacientes”, aponta Hayashi.

A dependência química do crack é considerada um problema de saúde pública. O diagnóstico preciso pode garantir maior assertividade no tratamento e, aliado ao trabalho clínico, evitar que o paciente registre novos surtos. Essas manifestações intensas são prejudiciais e tóxicas para o cérebro, causando perda cognitiva. 

“Novos estudos podem contribuir para uma melhor compreensão bioquímica sobre os efeitos do uso do crack nos indivíduos. Entender a influência do consumo da droga no corpo a longo prazo e também podemos acompanhar estudos de efeitos de fármacos no tratamento aplicado”, finaliza Tasic.

Por enquanto, não existe exame aprovado para uso clínico. A tecnologia precisa passar por outras fases de desenvolvimento antes que possa chegar ao mercado e depende, agora, de parcerias para avançar nos estudos clínicos. As negociações para o licenciamento são feitas com apoio da Inova Unicamp e os inventores participam ativamente do processo de transferência de tecnologia.

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