Tecnologia amplia estabilidade de proteína cicatrizante do abacaxi  

Pesquisadora segura frasco de vidro com pó branco da bromelina liofilizada no interior

Composição em pó desenvolvida na Unicamp mantém integridade da bromelina por até 90 dias. Desenvolvimento colabora para que a substância natural, extraída de cascas e talos da fruta, seja aplicada em produtos farmacêuticos e cosméticos

Texto: Ana Paula Palazi | Foto: Pedro Amatuzzi

O abacaxi é cultivado em praticamente todo o território nacional. Para além de um alimento nutritivo e refrescante, que é a cara do verão, a fruta possui a bromelina: um complexo de substâncias com propriedades terapêuticas, cicatrizantes e anti-inflamatórias. A bromelina está presente em todas as partes do abacaxi, verde ou maduro, da raiz à coroa, só que essa enzima é muito instável e se degrada facilmente, reduzindo as possibilidades de uso pela indústria. 

Com o desafio de superar essa limitação na busca por curativos sustentáveis, um grupo de pesquisadores da Unicamp colocou em prática a expressão “descascar o abacaxi”, utilizada para tarefas complicadas, e desenvolveu uma composição contendo nanopartículas liofilizadas que preservam a bromelina em temperatura refrigerada por até 90 dias. 

Dessa forma, em pó, ela pode ser aplicada em sprays, emplastos, pomadas e outros produtos farmacêuticos e cosméticos. A tecnologia teve pedido de patente depositado pela Agência de Inovação Inova Unicamp e aguarda parcerias com a indústria para avançar na fase de testes e desenvolvimento de novos produtos.

“Buscamos o desenvolvimento de produtos que reduzam impactos a partir de ativos de origem natural, como os resíduos da industrialização do abacaxi, para que possam ter um fim mais nobre e diferente do descarte. Nossa solução propõe encapsular a substância, diferente de estudos nos quais a bromelina vem apenas decorando nanopartículas do lado de fora”, disse a professora e pesquisadora da Unicamp Priscila Gava Mazzola.

Secagem a frio da bromelina

Na formulação para o tratamento de feridas elaborada pela equipe ligada à Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, a bromelina faz parte de uma mistura que contém outros dois componentes: a quitosana (extraída das cascas de crustáceos, como camarão, caranguejo e lagosta) que funciona como agente encapsulador e a maltose (um açúcar muito usado na produção de cervejas) que protege a composição contra variações térmicas as quais podem degradar a bromelina.

“Fizemos a encapsulação da bromelina em nanopartículas de quitosana, porém, percebemos que, na formulação líquida, a bromelina ainda se degradava. Em nova etapa, procuramos liofilizar a composição bromelina-quitosana com um açúcar como lioprotetor. Utilizamos a maltose e a partícula se manteve estável e eficaz por até três meses”, explicou a farmacêutica e pesquisadora Janaína Artem Ataide.

A liofilização é uma técnica muito utilizada na indústria e consiste na secagem a vácuo a partir do congelamento do produto, retirando a água por sublimação. Alguns alimentos vendidos como purê de batatas e frutas desidratadas, além de medicamentos, passam por esse processo para manterem íntegras algumas propriedades desejáveis. O resultado da pesquisa foi publicado, recentemente, em artigo científico no Journal of Drug Delivery Science and Technology

“Nesse processo, adicionamos os lioprotetores que são moléculas para aumentar a proteção térmica. Eles mimetizam o que acontece na própria natureza. Alguns peixes que vivem em lagos com temperaturas subglaciais têm concentrações de açúcares nas células e, isso, permite a sua sobrevivência”, explica o farmacêutico e pesquisador Danilo Costa Geraldes.

três pesquisadoras seguram frascos com pó branco da bromelina e um pesquisador segura um abacaxi fruta, estão em área externa arborizada com placa da Faculdade de Ciências Farmacêuticas ao fundo

Leia também o artigo sobre as atividades in vitro da formulação na Nature Scientific Reports.

Mercado promissor 

O Brasil produz em média 1,7 bilhão de abacaxis ao ano, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), e grande parte dos resíduos industriais da produção de frutas em calda, sucos e geleias vai para alimentação de animais. A tecnologia propõe o aproveitamento integral da fruta, agregando valor à produção. 

No país, o uso mais comum da bromelina é associado a amaciantes de carne, isso porque, entre as propriedades do complexo está o de quebrar moléculas de outras proteínas. Em ferimentos e queimaduras, essa atividade fibrinolítica auxilia na limpeza e remoção das células mortas, acelerando a cicatrização e reduzindo edema, hematomas e dor. 

A quitosana, por sua vez, possui características adesivas, antifúngicas e bacteriostáticas já usadas em sistemas de liberação modificada de fármacos como antibióticos, anti-inflamatórios e anti-hipertensivos. A bromelina com nanoestruturação baseada em quitosana apresenta uma alternativa para uma produção verde de cosméticos e medicamentos.

“A composição desenvolvida não contém solventes orgânicos ou aditivos sintetizados quimicamente, como conservantes. É obtida por processo sustentável, baseado em excipientes naturais, biocompatíveis e bioabsorvíveis, que não apresentaram toxicidade nos testes in vitro em culturas de células”, destaca a professora e pesquisadora Laura de Oliveira Nascimento.

A composição também apresentou maior taxa de incorporação da bromelina quando comparada com a forma líquida. O pó liofilizado, por seu baixo teor de água, adere melhor a feridas com exsudato (etapa natural da cicatrização, na qual o ferimento expele líquido), enquanto a quitosana, rapidamente hidratada, adere melhor ao tecido a ser reparado.  

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