16 de dezembro de 2021 Tecnologia amplia estabilidade de proteína cicatrizante do abacaxi
Composição em pó desenvolvida na Unicamp mantém integridade da bromelina por até 90 dias. Desenvolvimento colabora para que a substância natural, extraída de cascas e talos da fruta, seja aplicada em produtos farmacêuticos e cosméticos
Texto: Ana Paula Palazi | Foto: Pedro Amatuzzi
O abacaxi é cultivado em praticamente todo o território nacional. Para além de um alimento nutritivo e refrescante, que é a cara do verão, a fruta possui a bromelina: um complexo de substâncias com propriedades terapêuticas, cicatrizantes e anti-inflamatórias. A bromelina está presente em todas as partes do abacaxi, verde ou maduro, da raiz à coroa, só que essa enzima é muito instável e se degrada facilmente, reduzindo as possibilidades de uso pela indústria.
Com o desafio de superar essa limitação na busca por curativos sustentáveis, um grupo de pesquisadores da Unicamp colocou em prática a expressão “descascar o abacaxi”, utilizada para tarefas complicadas, e desenvolveu uma composição contendo nanopartículas liofilizadas que preservam a bromelina em temperatura refrigerada por até 90 dias.
Dessa forma, em pó, ela pode ser aplicada em sprays, emplastos, pomadas e outros produtos farmacêuticos e cosméticos. A tecnologia teve pedido de patente depositado pela Agência de Inovação Inova Unicamp e aguarda parcerias com a indústria para avançar na fase de testes e desenvolvimento de novos produtos.
“Buscamos o desenvolvimento de produtos que reduzam impactos a partir de ativos de origem natural, como os resíduos da industrialização do abacaxi, para que possam ter um fim mais nobre e diferente do descarte. Nossa solução propõe encapsular a substância, diferente de estudos nos quais a bromelina vem apenas decorando nanopartículas do lado de fora”, disse a professora e pesquisadora da Unicamp Priscila Gava Mazzola.
Secagem a frio da bromelina
Na formulação para o tratamento de feridas elaborada pela equipe ligada à Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e à Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, a bromelina faz parte de uma mistura que contém outros dois componentes: a quitosana (extraída das cascas de crustáceos, como camarão, caranguejo e lagosta) que funciona como agente encapsulador e a maltose (um açúcar muito usado na produção de cervejas) que protege a composição contra variações térmicas as quais podem degradar a bromelina.
“Fizemos a encapsulação da bromelina em nanopartículas de quitosana, porém, percebemos que, na formulação líquida, a bromelina ainda se degradava. Em nova etapa, procuramos liofilizar a composição bromelina-quitosana com um açúcar como lioprotetor. Utilizamos a maltose e a partícula se manteve estável e eficaz por até três meses”, explicou a farmacêutica e pesquisadora Janaína Artem Ataide.
A liofilização é uma técnica muito utilizada na indústria e consiste na secagem a vácuo a partir do congelamento do produto, retirando a água por sublimação. Alguns alimentos vendidos como purê de batatas e frutas desidratadas, além de medicamentos, passam por esse processo para manterem íntegras algumas propriedades desejáveis. O resultado da pesquisa foi publicado, recentemente, em artigo científico no Journal of Drug Delivery Science and Technology.
“Nesse processo, adicionamos os lioprotetores que são moléculas para aumentar a proteção térmica. Eles mimetizam o que acontece na própria natureza. Alguns peixes que vivem em lagos com temperaturas subglaciais têm concentrações de açúcares nas células e, isso, permite a sua sobrevivência”, explica o farmacêutico e pesquisador Danilo Costa Geraldes.
Leia também o artigo sobre as atividades in vitro da formulação na Nature Scientific Reports.
Mercado promissor
O Brasil produz em média 1,7 bilhão de abacaxis ao ano, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), e grande parte dos resíduos industriais da produção de frutas em calda, sucos e geleias vai para alimentação de animais. A tecnologia propõe o aproveitamento integral da fruta, agregando valor à produção.
No país, o uso mais comum da bromelina é associado a amaciantes de carne, isso porque, entre as propriedades do complexo está o de quebrar moléculas de outras proteínas. Em ferimentos e queimaduras, essa atividade fibrinolítica auxilia na limpeza e remoção das células mortas, acelerando a cicatrização e reduzindo edema, hematomas e dor.
A quitosana, por sua vez, possui características adesivas, antifúngicas e bacteriostáticas já usadas em sistemas de liberação modificada de fármacos como antibióticos, anti-inflamatórios e anti-hipertensivos. A bromelina com nanoestruturação baseada em quitosana apresenta uma alternativa para uma produção verde de cosméticos e medicamentos.
“A composição desenvolvida não contém solventes orgânicos ou aditivos sintetizados quimicamente, como conservantes. É obtida por processo sustentável, baseado em excipientes naturais, biocompatíveis e bioabsorvíveis, que não apresentaram toxicidade nos testes in vitro em culturas de células”, destaca a professora e pesquisadora Laura de Oliveira Nascimento.
A composição também apresentou maior taxa de incorporação da bromelina quando comparada com a forma líquida. O pó liofilizado, por seu baixo teor de água, adere melhor a feridas com exsudato (etapa natural da cicatrização, na qual o ferimento expele líquido), enquanto a quitosana, rapidamente hidratada, adere melhor ao tecido a ser reparado.
Saiba mais
- Para mais informações sobre essa e outras tecnologias da Universidade Estadual de Campinas acesse o Portfólio de Patentes e Softwares da Unicamp.
- O Relatório Anual completo da Agência de Inovação está disponível para download e consulta.
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