Medicamento para câncer desenvolvido na Unicamp tem patente concedida nos EUA

Pesquisadores do OncoTherad. Dois homens de jaleco branco trabalham em amostra no laboratório. Um utiliza uma pipeta enquanto o outro observa

 A tecnologia foi licenciada com exclusividade para a spin-off NanoImmunotherapy Pharma, formada por docentes e pesquisadores da Unicamp. Concessão norte-americana pode acelerar estudos em fase clínica.

Texto: Ana Paula Palazi | Foto: Pedro Amatuzzi

A patente de uma tecnologia para o tratamento de câncer desenvolvida inteiramente na Unicamp foi concedida nos Estados Unidos pelo United States Patent and Trademark Office (USPTO, na sigla em inglês). O pedido de patente também foi depositado com a estratégia feita pela Agência de Inovação Inova Unicamp no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), no Brasil, e no European Patent Office (EPO), o escritório de patentes da Europa, ambos em fases avançadas de exame. 

O OncoTherad (Oncology Therapy Adjuvant) é um imunoterápico adjuvante que atua, como tratamento complementar, na melhora da resposta imunológica por meio de dois mecanismos de ação. Ele ativa as células de defesa para reconhecimento e ataque aos tumores, enquanto reduz a formação de metástase e vasos sanguíneos que alimentam o câncer, com isso também diminui a resistência dos tumores a tratamentos convencionais, como a quimioterapia. 

“Esse é um momento histórico para a ciência brasileira. A concessão americana da patente abre um leque de oportunidades. Entre as vantagens está a possibilidade de pleitear o acesso a programas de aceleração de novas drogas na FDA, a agência reguladora norte-americana, além de abrir a interlocução com grandes companhias farmacêuticas internacionais”, diz Wagner José Fávaro, professor e pesquisador da Unicamp, inventor da patente.

O medicamento se mostrou seguro, eficaz e com poucos efeitos colaterais no combate a diferentes tipos de tumores, em especial o câncer de bexiga, na primeira fase dos testes clínicos. Ele também foi testado em pacientes oncológicos que contraíram a COVID-19, apresentando resultados promissores e, recentemente, ganhou o Prêmio SBOC de Ciência, organizado pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica.

Até o momento, 250 pacientes foram tratados com o nanofármaco sintético desenvolvido no Instituto de Biologia (IB) e no Instituto de Química (IQ) da Unicamp com financiamento público. Os ensaios clínicos foram conduzidos no Hospital Municipal de Paulínia com pacientes oncológicos para os quais as alternativas de tratamento já tinham sido esgotadas.

Resultados apresentados no 22º Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica deste ano mostraram sucesso em 77,3% dos casos de câncer de bexiga, tratados experimentalmente com o OncoTherad, sem reaparecimento do tumor. Nos outros 22,7%, em que o câncer voltou, o tamanho e o grau de agressividade da doença foram menores, evitando cirurgias para retirada da bexiga, muito frequentes em recidivas tumorais desse tipo. 

Docentes empreendedores

As pesquisas com o nanofármaco tiveram início há 14 anos, em 2007, e seguiram uma trajetória pioneira ainda incomum dentro da Universidade. O OncoTherad foi a primeira propriedade intelectual de titularidade da Unicamp licenciada com exclusividade para uma spin-off formada pelos docentes inventores da patente, desde a aprovação da nova Política de Inovação da Unicamp em 2019. Nessa modalidade, a NImm-Pharma é a única empresa que pode explorar o uso do nanofármaco, uma vantagem competitiva no mercado.

“Sempre escutei que o brasileiro não era capaz de fazer algo assim e nós conseguimos. A nova Política de Inovação da Unicamp permitiu que mudássemos o cenário burocrático. Agora, temos o controle da patente e com isso, a possibilidade de articulação com outras empresas foi facilitada”, explica Nelson Durán, professor e pesquisador aposentado da Unicamp, inventor da patente e atual sócio-administrador da NImm-Pharma.

No início, Favaro estudava o funcionamento do câncer e o papel do sistema imune. A parceria com Durán, referência em nanotecnologia no Brasil, levou ao desenvolvimento da plataforma que resultou na criação de uma molécula sintética, produzida em laboratório. 

O protocolo para o uso experimental em seres humanos foi proposto ao Conselho de Ética da Unicamp, após resultados positivos com baixa toxicidade em testes pré-clínicos e clínicos com animais. Os ensaios começaram em 2018 e foram acompanhados pelo médico urologista João Carlos Cardoso Alonso. Entre os primeiros pacientes, estavam tutores de alguns dos cães tratados inicialmente com a droga e que também lutavam contra o câncer. 

Líquido transparente do nanofármaco OncoTherad em duas ampolas de vidro sobre uma bancada de mármore

OncoTherad é um imunoterápico desenvolvido 100% em uma universidade pública brasileira com patente e marca registrada

O papel da spin-off

Uma empresa spin-off é uma empresa criada a partir de uma tecnologia desenvolvida em uma universidade ou instituto de pesquisa. O termo também é usado para empresas que são criadas a partir de um projeto dentro de outra empresa, quando este projeto gera um modelo de negócios novo, diferente do que a empresa mãe faz.

No caso das tecnologias universitárias, a spin-off tem um papel muito importante para o amadurecimento da tecnologia, uma vez que as tecnologias criadas no escopo da pesquisa das universidades estão geralmente num estágio embrionário e precisam de investimento para sua viabilização. Nessa fase os investimentos podem ser públicos, com apoio de programas como o Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da Fapesp; ou privados, oriundos de investidores externos e do ecossistema empreendedor da Unicamp.

“A função da empresa é viabilizar e vencer as etapas regulatórias. Estamos nos tornando produtores de um IFA, um Insumo Farmacêutico Ativo, brasileiro para o tratamento de câncer. A universidade pública, e toda sociedade civil, vai se beneficiar disso, com o retorno do investimento feito ao longo dos anos na pesquisa”, diz Favaro que é sócio-cotista na NImm-Pharma.

Outro diferencial da tecnologia é que trata-se de um medicamento com características de plataforma, ou seja, que pode ser adaptado para outras doenças. “O OncoTherad é um medicamento para o tratamento do câncer, mas, desenvolvemos uma plataforma estrutural, na qual podemos mudar completamente as características e fazer outros nanofármacos, com funções diferentes e para outras doenças”, revela Durán. 

O papel da Universidade

A abertura de empresas por docentes, pesquisadores e servidores da Unicamp para licenciar tecnologias da Universidade também foi possível com a aprovação pelo Conselho Universitário (CONSU), em 2019, da Política de Inovação da Universidade  que segue a Lei de Inovação Federal.

Com as mudanças, inventores, autores de Patentes, Programas de Computadores e Know How, de titularidade da Unicamp,  podem fazer parte de empresa de base tecnológica, sem se afastar das atividades na Universidade, quando participam do quadro societário como acionista, em funções técnicas não administrativas. É possível, ainda, se dedicar exclusivamente à constituição de uma startup a partir do afastamento das atividades sem recebimento dos vencimentos referentes ao cargo. 

O novo conjunto de regras, ainda, desburocratizou e simplificou o processo de transferências de tecnologia da Unicamp, nos casos de licenciamento com exclusividade, que adotou o processo de negociação direta com os interessados, contribuindo com a agilidade nas formalizações dos acordos. A negociação é feita com a Inova Unicamp, responsável pela gestão do portfólio de tecnologias da Universidade.

“Podemos citar uma série de benefícios para a Unicamp em parcerias como essa. A agilidade na transferência de tecnologia e o retorno em ganhos financeiros (royalties) para Universidade são alguns, mas o que queremos, acima de tudo, é colaborar para o desenvolvimento socioeconômico baseado em conhecimento científico estimulando que docentes, pesquisadores e funcionários inventivos possam acompanhar, fomentar e fazer parte desse avanço tecnológico em todas as esferas”, disse Ana Frattini, diretora-executiva da Inova Unicamp.

Leia mais sobre a Política de Inovação da Unicamp

O imunoterápico ainda precisa ser testado em novos ensaios clínicos, realizados em diferentes centros de pesquisa (multicêntricos) com um número maior de pacientes. Para avançar nas próximas fases da pesquisa, a spin-off precisa montar uma estrutura fabril que siga as normas regulatórias da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou ter a produção negociada com uma indústria farmacêutica. Por enquanto, o OncoTherad não pode ser comercializado nem indicado para pacientes que não façam parte do estudo.

“Estamos pleiteando esse medicamento para o câncer de bexiga refratário ao tratamento, uma condição médica não atendida no Brasil, pois a medicação que existe, hoje, para o tratamento falha e falta com frequência. Se o estudo regulatório comprovar a eficácia da imunoterapia, acreditamos que em três ou quatro anos, o OncoTherad estará disponível no mercado”, finaliza Favaro.

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