Grafite de lápis e nanopartículas de ouro são aplicados em novos testes rápidos para detectar SARS-CoV-2

As tecnologias para kits diagnósticos da Covid-19 foram desenvolvidas em nova parceria da Unicamp com a Universidade da Pensilvânia e aplicam materiais acessíveis, de baixo custo com alta sensibilidade e precisão

Texto: Ana Paula Palazi | Foto de Capa: Pedro Amatuzzi

O grafite usado em lapiseiras e os cotonetes convencionais são as matérias-primas de duas novas tecnologias protegidas por patentes desenvolvidas em parceria entre a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade da Pensilvânia (UPenn) nos Estados Unidos para a produção de testes diagnósticos rápidos da Covid-19. Elas têm em comum o uso de nanopartículas de ouro recobertas com a enzima receptora ACE-2, a mesma que o coronavírus usa para entrar no corpo humano. Os kits têm alta sensibilidade e usam materiais acessíveis que podem facilitar a testagem em massa e de alta frequência de grandes populações em países com recursos limitados.

Uma das tecnologias trata de um sensor eletroquímico que utiliza o grafite convencional como um circuito condutor e indica a presença do vírus pela variação de corrente elétrica. A outra invenção trabalha com a técnica colorimétrica, na qual a cor do algodão do cotonete altera se a amostra, seja de saliva ou de secreção nasal, contiver o SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19 e suas variantes.  

“Os números têm mostrado uma tendência de decréscimo na transmissão da doença, mas existe uma preocupação muito grande com o surgimento de novas variantes. Nossos sensores continuam respondendo às mutações, pois o mecanismo de entrada do vírus no corpo continua sendo a enzima que usamos para funcionalizar os dispositivos”, explica William Reis de Araújo, pesquisador do Laboratório de Sensores Químicos Portáteis , do Instituto de Química (IQ) da Unicamp e coordenador do projeto.

O teste do grafite para Covid-19

Os pesquisadores usaram minas de lapiseira de 0,7 milímetros no protótipo. O material amplamente utilizado na indústria foi mergulhado em um frasco de plástico usado para a coleta da amostra. O grafite recebeu um polimento para ancorar as nanopartículas de ouro que foram funcionalizadas com a enzima ACE-2. O dispositivo apresentou alta sensibilidade à proteína spike (espícula) do vírus com precisão equivalente à do teste RT-PCR.

“Quando o vírus interage com essa superfície modificada do grafite causa uma obstrução parcial do sensor que induz uma diminuição do valor de corrente elétrica lida. Esse decréscimo de sinal elétrico pode ser observado tanto em equipamentos laboratoriais convencionais quanto associado a um analisador portátil acoplado a um aparelho celular”, conta Araújo.

Nas análises clínicas com 100 pacientes, realizadas em parceria com a UPenn, o sensor registrou desempenho de 100% em amostras de saliva e 87,4% em amostras de secreção do nariz e garganta. O dispositivo também conseguiu detectar concentrações baixas de carga viral, podendo determinar a doença antes do surgimento dos sintomas. 

A tecnologia diagnosticou também a variante Alfa, identificada no Reino Unido, e não reagiu a outros tipos de coronavírus – cepas sem ligação com a Covid-19 – ou mesmo a Influenza que é causadora da gripe, indicando seletividade. O custo estimado do protótipo em escala laboratorial foi de 1,5 dólares (cerca de 9 reais), valor que pode se alterar com a fabricação em larga escala por empresas parceiras e o resultado do diagnóstico fica pronto em seis minutos.

Professor William de jaleco azul ao lado dos alunos Lucas e André de jaleco branco. Seguram o teste nas mãos

O professor William Reis de Araújo e os pesquisadores Lucas Felipe de Lima e André Lopes Ferreira que viajaram aos EUA para desenvolver parte dos testes. Foto: Pedro Amatuzzi

Cotonete detecta Covid-19 pela mudança de cor 

O outro dispositivo desenvolvido pela equipe brasileira em parceria com o grupo da UPenn, detecta o SARS-CoV-2 a partir de uma técnica conhecida como colorimétrica e dispensa qualquer outro equipamento de análise. Esse teste de detecção rápido oferece resultados em até cinco minutos, com características ainda mais atrativas como a portabilidade e possibilidade de aplicação em casa, pelo próprio paciente.

“No teste colorimétrico, a única coisa que a pessoa vai usar é o cotonete que já vem preparado para a coleta com dois tubinhos que contêm a solução de nanopartículas de ouro funcionalizadas em um e uma solução de enxágue no outro. Após coletar a amostra e mergulhar o cotonete nos recipientes contendo as nanopartículas modificadas pela enzima ACE-2, a visualização é quase instantânea e o detector é o próprio olho humano”, explica o pesquisador. 

A comparação entre o antes e o depois também pode ser feita tirando fotos com um celular e analisando as cores com aplicativos gratuitos, para quem tem algum distúrbio visual ou dificuldades de enxergar tonalidades de cores. 

Quatro cotonetes com a ponta em diferentes cores que vão de marrom escuro a branca

Variação de cores no teste colorimétrico. Para chegar ao mercado, a tecnologia precisa ser licenciada por alguma empresa e passar por testes clínicos. Foto: Arquivo Pessoal William Reis de Araújo

O princípio de medida, neste caso, é a formação de uma espécie de sanduíche. Se presente na amostra, o vírus ficará aderido ao cotonete modificado com as enzimas ACE-2. Ao mergulhá-lo na solução de nanopartículas funcionalizadas com a mesma proteína, a ACE-2 do recipiente também se ligará ao vírus, provocando a alteração de cor do cotonete. A etapa final de enxágue evita falsos-positivos. Caso o indivíduo não apresente o vírus, o cotonete permanecerá com a cor branca após o teste.

William explica que a ideia principal desse kit diagnóstico é indicar se a pessoa está ou não infectada de forma fácil, rápida e barata, para que o paciente tome, o quanto antes, as medidas de prevenção e isolamento. Para saber outras informações como a carga viral, seria necessário o uso de um smartphone com análises comparativas a partir de aplicativos baixados no aparelho. 

A performance do teste colorimétrico foi de 90% nas amostras analisadas, o que é equivalente a de testes rápidos comercializados em farmácia. O custo estimado pelos pesquisadores dos materiais usados nos testes de bancada foi de 15 centavos de dólar (menos de um real) por dispositivo. Mais estudos serão necessários para avaliar a eficácia das tecnologias na detecção e discriminação das principais variantes do SARS-CoV-2. Se os resultados forem positivos, esses kits podem permitir a detecção precoce, o que ajudaria a reduzir a disseminação e transmissão de novas variantes.

Para chegar ao mercado, os novos sensores de diagnóstico Graphite CoV e Color CoV, precisam passar por novos testes exigidos para a aprovação pelo FDA, órgão regulador nos Estados Unidos, e pela Anvisa, no Brasil. Esse processo é feito em parceria entre as Universidades e empresas privadas ou instituições públicas interessadas em produzir e comercializar as tecnologias. Na Unicamp, a Agência de Inovação Inova Unicamp é responsável por fazer essa conexão entre o universo acadêmico e o mercado.  

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