Tecnologia da Unicamp usa argila na produção de ‘escudo’ para antibióticos

São seis microimagens de microscópio. As três primeiras mostram substâncias de cor escura que estão dentro de uma lâmina redonda e transparente. As outras três imagens que estão abaixo das primeiras trazem partículas escuras e transparentes que são as microcápsulas de gel de alginato.

Texto: Ana Paula Palazi | Foto de capa: Marcus Bruno Soares Forte

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas desenvolveram uma estratégia mais sustentável para separar e purificar o ácido clavulânico. Esse importante fármaco age como escudo protetor de antibióticos no combate a bactérias resistentes. A invenção propõe o uso de um insumo natural à base de argila aniônica, conhecido também como hidróxido duplo lamelar (HDL), em substituição ao que é usado pela indústria. Atualmente, esse processo é feito com resinas químicas. 

“Nossa tecnologia propõe a substituição dessas resinas químicas por substâncias menos agressivas ao meio ambiente e mais interessantes do ponto de vista econômico, tendo em vista que estão disponíveis na natureza”, explica Marcus Bruno Soares Forte, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp e um dos inventores da tecnologia.

O trabalho de pesquisa foi desenvolvido no Laboratório de Engenharia Metabólica e Bioprocessos da FEA, dentro de um projeto temático da FAPESP e resultou no depósito de um pedido de patente. Com o apoio da Agência de Inovação da Unicamp, a tecnologia está disponível para o licenciamento de empresas interessadas em aplicar o sistema em suas linhas de produção.  

Antibiótico dos antibióticos

O aumento da resistência bacteriana a antibióticos traz cada vez mais preocupação para a área da saúde. O relatório anual “Antibacterial Pipeline”, divulgado em abril pela Organização Mundial da Saúde (OMS), alerta para a crescente ameaça à capacidade de tratarmos infecções bacterianas com sucesso. De acordo com o organismo internacional, o mundo ainda não conseguiu desenvolver os tratamentos antibacterianos necessários. Nesse cenário, trabalhos voltados para a produção de ácido clavulânico se apresentam importantes pela capacidade desse composto auxiliar na eficiências de medicamentos já existentes.

 

Homem aparentando carca de 60 anos. Veste uma blusa de frio marrom e uma camisa verde claro, da qual só aparece a gola. O homem tem cabelos, barba e bigode grisalhos, sobrancelhas escuras e está sorrindo. O fundo da foto é uma parede branca.

Francisco Maugeri Filho, docente da Unicamp e inventor.

“A gente sabe que o problema da resistência que vem sendo observada em vários microrganismos é, em parte, devido ao mau uso dos antibióticos. O ácido clavulânico age justamente diminuindo a adaptação desses microrganismos. Ele é um antibiótico, mas tem como principal função diminuir a resistência das bactérias a uma classe específica de antibióticos da qual faz parte”, explica Francisco Maugeri Filho, professor da FEA que juntamente com a professora Maria Isabel Rodrigues também integram o quadro de inventores da patente. 

O ácido clavulânico é um potente inibidor de enzimas conhecidas como beta-lactamases que degradam e desativam as propriedades antibacterianas de alguns medicamentos para o tratamento de infecções. Quando associado a outros fármacos, ele cria um mecanismo de defesa que ‘engana’ e protege o antibiótico do ataque das bactérias, potencializando sua ação. Por essas características, o ácido clavulânico aplicado pela indústria farmacêutica na sua forma de sal, chamado de clavulanato de potássio, tem sido usado com antibióticos beta-lactâmicos, como a amoxicilina.

Ciência multidisciplinar

O processo de produção de ácido clavulânico começa na fermentação de um microrganismo presente no solo, chamado de Streptomyces clavuligerus, e compreende uma série de etapas.  Na patente, os pesquisadores se concentraram em apenas uma fase da purificação, conhecida como adsorção. Ela acontece quando as moléculas de interesse, que são muito instáveis e estão misturadas ao caldo fermentado (fluido), aderem a uma superfície sólida promovendo a separação dos compostos. Ao invés do uso de resinas químicas, os cientistas colocaram a argila aniônica que leva esse nome por sua capacidade de fazer trocas de cargas negativas com outras moléculas ionizadas. Mas antes, o insumo recebeu um tratamento para ser aplicado nos reatores de forma contínua. A obtenção de micropartículas utilizadas nesse processo também teve seu resultado protegido por meio de outro depósito de pedido de patente. 

Homem de aproximadamente 35 anos com cabelos, barba e bigode castanhos. Usa óculos de armação metálica e formato redondo. Veste camisa polo de cor vermelha. No fundo da foto aparecem outras pessoas que não é possível identificar e um arbusto com flores laranjas.

Marcus Bruno Soares Forte, docente da Unicamp e inventor.

“Nós tivemos que desenvolver uma tecnologia para poder usar esse pó de argila dentro da coluna, devido a uma propriedade de intumescimento dessa matéria-prima em água, ou seja, ela incha e, se for colocada direto no tubo, entope o sistema”, conta Soares Forte. Para viabilizar o uso, os cientistas encapsularam as partículas de argila em microesferas de gel de alginato. Os resultados obtidos apresentam grau de pureza do ácido clavulânico superior a 90%, chegando a 100% em alguns pontos, e rendimento de até 90%. Além de sustentável, a nova estratégia é considerada mais versátil, pois pode ser associada a outras técnicas aumentando a produtividade. 

O processo de desenvolvimento da tecnologia é um exemplo da multidisciplinaridade da pesquisa em Engenharia de Bioprocessos. Além de um novo insumo para produção de antibióticos, os cientistas viabilizaram o uso da argila em colunas de leitos fluidizados para aplicação em diversas áreas, como em produtos que precisam da liberação de compostos de forma controlada ou em imobilização de enzimas para diversas aplicações nas indústria de alimentos, farmacêutica, química, têxtil entre outras. “Essa área da biotecnologia congrega pessoas das mais diferentes formações como química, engenharia, biologia, genética, farmacêutica. Trabalhamos com todos esses profissionais e isso só vem a agregar novos conhecimentos e experiências que são muito benéficos”, conclui Maugeri.

Saiba mais

Para mais informações sobre o perfil desta e de outras tecnologias da Universidade Estadual de Campinas acesse o site de patentes da Inova Unicamp. O Relatório Anual 2020 completo da Agência de Inovação também está disponível para download e consulta. Empresas interessadas no licenciamento podem entrar em contato com a Inova na área Conexão com Empresas

 

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