31 de agosto de 2020 De Covid-19 à indústria agro: cientistas usam inteligência artificial para diagnósticos em nível molecular
Texto por Ana Paula Palazi
Um novo método para diagnósticos, desenvolvido por pesquisadores da Unicamp, permite investigar de forma rápida e simples uma gama de doenças e manifestações que se apresentem em nível metabólico. A invenção chamada de “selecionador molecular” combina análises bioquímicas e inteligência artificial – duas conceituadas e diferentes técnicas analíticas – para criar uma plataforma exclusiva de exames como a detecção de alterações causadas por vírus, bactérias ou fungos.
Depois de treinado, o algoritmo é capaz de identificar de forma automática, e em minutos, biomarcadores associados a doenças graves, negligenciadas ou que não tenham protocolos específicos, auxiliando médicos e especialistas na tomada de decisão. Segundo os cientistas, a invenção pode, ainda, ser aplicada em outras análises laboratoriais, ambientais e bromatológicas.
A tecnologia associa dados de metabolômica com um algoritmo de classificação de aprendizado de máquina (machine learning, no inglês) para investigar, cruzar e identificar padrões e conjuntos de características que retratam uma determinada condição de interesse num organismo. A pesquisa envolveu cientistas do Laboratório de Inferência em Dados Complexos (Recod), do Instituto de Computação (IC), e do Laboratório Innovare de Biomarcadores, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), da Unicamp.
O invento foi protegido por meio de uma patente e um programa de computador com apoio da Inova Unicamp e tem potencial para beneficiar a indústria farmacêutica, de cosméticos, entre outras. No setor agro, por exemplo, é possível trabalhar na detecção de elementos causadores de putrefação ou que comprometem os alimentos, como a presença de Salmonella, garantindo a qualidade dos produtos consumidos.
“Qualquer problema que se manifeste em nível metabólico e cause interferência ou diferenciação molecular é passível de ter biomarcadores classificados pela nossa plataforma de seleção molecular, desde doenças como a Covid-19 até adulteração ou apodrecimento de alimentos”, resume Rodrigo Catharino, diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), da Unicamp.
Outra vantagem descrita pela equipe é a capacidade de refinamento dos resultados, aumentando a sensibilidade do algoritmo e a taxa de acerto. “A plataforma consegue se adaptar a condições que se alteram ao longo do tempo, como é o caso de infecções virais como a Covid-19. Ao fornecer novas amostras de pacientes, com e sem manifestações da doença, o método pode se aperfeiçoar a novos cenários”, explica Anderson Rocha, Diretor do Instituto de Computação (IC).
De acordo com o professor, é possível ainda identificar riscos de complicação a partir de biomarcadores de contaminação e outras infecções que podem piorar o estado geral do paciente. Além disso, depois que a máquina aprende o que buscar, pode diagnosticar mais de uma doença ou condição a partir da mesma amostra colhida, reduzindo custos laboratoriais.
Resultados promissores
Enquanto um exame de sangue tradicional identifica, aproximadamente, uma centena de células como leucócitos, hemoglobina e glóbulos brancos, na metabolômica, o conjunto de moléculas encontradas, por amostra, pode chegar a dezenas de milhares. Analisar esse grande volume de dados, em diversas coletas seria algo muito trabalhoso para a mente humana. Foi aí que os pesquisadores decidiram verificar se era possível, usando inteligência artificial, ensinar o computador a encontrar padrões específicos e relações cruzadas, e deu certo.
Em estudo publicado, recentemente, no periódico científico da Sociedade Americana de Microbiologia (ASM), a equipe descreveu que o método alcançou uma taxa de acerto acima de 95% para o diagnóstico de paracoccidioidomicose (PCM), uma doença fúngica que atinge principalmente trabalhadores rurais. Os experimentos analisaram amostras biológicas de 343 pessoas e foram feitos com o apoio do Departamento de Clínica Médica, da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) e do Laboratório de Imunodiagnóstico de Micose, do Instituto Adolfo Lutz. Facilmente confundido com tuberculose, o paracoco está entre as dez principais causas de morte por doenças infecciosas no país, segundo o Ministério da Saúde.
Uma variante do método também já foi usada para a triagem de pacientes com o vírus da Zika, com acerto acima de 95% dos casos; além da identificação de distúrbios metabólicos que resultam no ganho de peso e obesidade, prevendo com mais de 85% de sensibilidade o desenvolvimento de comorbidades como o diabetes. Os cientistas investigam, agora, se seria possível estender a técnica para o diagnóstico de Alzheimer’s, a partir de exames de sangue.
A Inova Unicamp iniciou as negociações com alguns laboratórios para testes intralaboratoriais e em paralelo a Unicamp busca a regulamentação da tecnologia na ANVISA, necessária para uso em larga escala. A ideia é de que a plataforma seja utilizada como SaaS (software as a service), ou software como serviço, e está aberta ao licenciamento. Nesse modelo, consultórios médicos, laboratórios e indústrias poderiam usar as funcionalidades do sistema a partir de um computador conectado à internet.