Gestão é o maior entrave para a interação entre universidades e empresas

 

Evento realizado na Fiesp reuniu pesquisadores e empresários com o objetivo de estimular uma agenda de cooperação mútua relativa a inovação, pesquisa e desenvolvimento na cadeia produtiva de bioenergia

Foto: Felipe Maeda | Agência FAPESP

Texto: Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP

A interação em pesquisa entre universidades e empresas no Brasil cresceu a uma taxa de 14% ao ano nas últimas três décadas. Os dados correspondem ao crescimento do número de artigos publicados em revistas científicas contendo, entre os autores, pelo menos um pesquisador de universidade e outro de empresa.

“Isso é muito positivo e faz cair por terra o mito tão repetido de que não há interação entre universidade e empresa no Brasil. Não só ela existe como tem crescido com consistência nos últimos 30 anos”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, em palestra realizada no “Fórum de Cooperação Universidade e Empresa – Bioenergia”, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O evento reuniu representantes do setor acadêmico e de empresas e teve o intuito de estimular uma agenda de cooperação mútua relativa a inovação, pesquisa e desenvolvimento na cadeia produtiva de Bioenergia, Biomassa e Bioprodutos. O fórum faz parte de uma série de três reuniões que estão sendo realizadas na Fiesp ao longo deste semestre.

Nessa edição, além de Brito Cruz, estavam presentes Eduardo Giacomazzi, diretor adjunto do ComSaude; Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP; Glaucia Mendes Souza, coordenadora do programa BIOEN-FAPESP; Rafael Vidal Aroca, diretor-executivo da Agência de Inovação da UFSCar; Wagner Cotroni Valenti, diretor da Agência Unesp de Inovação (Auin); Geciane Porto, vice-diretora da Agência USP de Inovação (Auspin); Newton Frateschi, diretor-executivo da Agência Inova Unicamp, e Luiz Henrique Catalani, diretor da InovaUSP.

Zago ressaltou que apoiar a pesquisa é uma excelente maneira de investir o dinheiro público e que há elementos suficientes que mostram ser vantajoso não só pelo avanço qualitativo, mas também pelo aspecto econômico.

“Um estudo recente mostra que o investimento em pesquisa e em educação superior na agropecuária paulista gera um retorno de 12 a 35 vezes o valor investido. No caso dos investimentos da FAPESP, essencialmente em pesquisa, o retorno é de 27 vezes. Eu não conheço nenhuma aplicação que renda igual”, disse Zago.

De acordo com o presidente da FAPESP, por ter estrutura e produção industrial avançada, São Paulo pode se beneficiar de uma interação mais próxima com as universidades e outras estruturas acadêmicas.

“O entrave maior é o de comunicação e conhecimento entre as partes. No entanto, não são esses os entraves mais citados tradicionalmente. Fala-se muito mais em burocracia e em legislações que envolvem, por exemplo, o tratamento de patentes, registros e transferências de tecnologia. Na minha impressão, eles não têm esse papel tão grande. São histórias contadas durante dezenas de anos e que acabam parecendo verdade. Mas não são”, disse Zago.

Frateschi, da Inova Unicamp e participante do debate, concorda com Zago. “Os maiores entraves são de cunho cultural e do entendimento sobre os órgãos que estão na lei. É um problema de gestão, sobretudo, não de burocracias ou legislação”, disse.

Por esse motivo, é importante reforçar uma rede de interação e de discussão de interesses comuns. “Não precisa esperar mudar a legislação, até podemos discutir aspectos legais que podem ser aperfeiçoados, mas não vamos ficar presos a essas histórias do passado. Vamos falar do futuro, que é cooperação. Saber quais são as competências hoje disponíveis na academia que podem ser imediatamente usadas para benefício da população”, disse.

Em São Paulo, a interação entre empresas e universidades é grande. “Entre os 69 mil pesquisadores no Estado, mais da metade – 54,1% – trabalha para empresas. No entanto, é comum ouvir falar que no Brasil tem pouca pesquisa nas empresas. Pode até ser que no Brasil tenha pouco, mas não em São Paulo”, disse Brito Cruz.

Muitas pesquisas relevantes são feitas em colaboração com grandes empresas. É o caso dos Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE). Nesses projetos com duração de 10 anos, a divisão de recursos é feita da seguinte maneira: a FAPESP entra com uma parte, a empresa parceira com outra parte e as universidades com duas partes, sendo que para as instituições de ensino esses recursos já são destinados para sua própria atividade.

“O programa começou em 2014 e mesmo em um período de crise conseguimos criar novos centros de pesquisa. Com parcerias, conseguimos transformar cada R$ 1 investido em R$ 4. É interessante para todos”, disse Brito Cruz.

Bioenergia

De acordo com dados da Agência Internacional de Energia, o Brasil compõe com Islândia, Noruega, Suécia e Nova Zelândia os únicos cinco países do mundo industrializado que têm mais de 40% da matriz em energia renovável.

A evolução no uso de bioenergia no Brasil pode ser observada, sobretudo, no Estado de São Paulo. Em 1980, 62% da energia usada no estado era fóssil. Em 2013, o índice caiu para 38%. “E o que puxou para baixo o uso de energia fóssil? Foi a cana-de-açúcar. O Brasil tem um papel importante nessa área, mas São Paulo é especialmente relevante, pois é industrializado e conseguiu nesse período fazer o que o mundo está querendo fazer para o futuro. Isso faz com que a pesquisa em bioenergia seja extremamente relevante para o estado”, disse Brito Cruz.

No mundo, os Estados Unidos são o maior produtor de bioenergia desde 2013. Em segundo lugar vem o Brasil, sendo o Estado de São Paulo responsável pela maior parte dessa produção.

Desde 2009, a FAPESP tem um programa de pesquisa em Bioenergia, o BIOEN, pautado pela agenda da sustentabilidade. Em 10 anos de programa, foram financiados 7.589 contratos de financiamento a pesquisa e bolsas de estudantes e de pesquisadores, somando R$ 755 milhões em pesquisa na área de bioenergia. São 447 cientistas envolvidos, sendo 133 em pequenas empresas pesquisando assuntos relacionados à bioenergia.

“Levando em conta todos esses dados, não há dúvida de que a pesquisa em bioenergia é extremamente relevante. O Brasil está em primeiro lugar em número de artigos publicados no mundo sobre cana-de-açúcar. São Paulo está em segundo lugar e a China, em terceiro. Veja que, não por acaso, os chineses estão interessados no assunto. Mas até hoje o Brasil é dominante no conhecimento sobre cana-de-açúcar”, disse Brito Cruz.

A busca pela sustentabilidade, acrescentou, tem sido um dos esforços do programa BIOEN-FAPESP. “E isso é essencial, pois o futuro internacional da bioenergia depende de se conhecer a ciência de sua sustentabilidade.”

Criação de empresas

Outro ponto abordado é a capacidade das universidades de gerar empresas. Na Universidade de São Paulo (USP) são 1.900 startups criadas, sendo 800 em bioenergia. “As nossas universidades são boas em criar empresas. Só as empresas-filhas da Unicamp sustentam 30 mil empregos por ano. E faturaram R$ 4,8 bilhões em 2018”, disse Brito Cruz.

O Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), voltado a projetos com pequenas empresas, tem 169 empresas apoiadas só no ramo da bioenergia. “Sustentabilidade é o que abre as portas do mundo para as empresas brasileiras”, disse o diretor científico da FAPESP.

O PIPE financia projetos de até R$ 200 mil na fase 1, de realização de pesquisas sobre a viabilidade técnica da pesquisa proposta. E financia projetos de até R$ 1 milhão, com duração de até dois anos, na fase 2, que se destina ao desenvolvimento da proposta de pesquisa.

“No Brasil, repete-se que há pouca relação entre universidade e empresa, o que não é verdade. Tem bastante, mas isso não significa que não tenha dificuldades”, disse Brito Cruz.

 

Matéria originalmente publicada pela Agência Fapesp. 

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