Patentes que ganham o mundo

Por Carolina Octaviano

“Uma estratégia de negócios bem definida é o primeiro passo para o sucesso na proteção internacional de uma patente”, afirma Patrícia Leal Gestic, diretora de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação Inova Unicamp. Na Universidade, a análise sobre a proteção de uma determinada tecnologia num outro país é realizada pelo Comitê de Internacionalização, grupo que reúne profissionais das áreas de Parcerias e de Propriedade Intelectual da Agência de Inovação. O grupo discute e analisa o potencial das patentes depositadas pela Universidade, assim como avalia os mercados em que a tecnologia tem apelo comercial. As potenciais empresas para exploração comercial, tecnologias similares e a cadeia de produção são algumas das peças-chave analisadas.

O foco de atuação do Comitê de Internacionalização é o Tratado de Cooperação de Patentes (PCT), do qual o Brasil faz parte. Trata-se de um acordo multilateral que permite requerer a proteção de patentes, de maneira simultânea, em vários países, a partir de um único depósito internacional. O Tratado, administrado pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), tem como objetivo deixar o processo de pedidos de patente no Exterior mais simples, tornando mais econômico o pedido de proteção da propriedade intelectual em vários países. Atualmente, além do Brasil, 151 países são signatários do PCT, tratado que completou 40 anos em 2018.

Comitê de Internacionalização de Patentes

Todas as patentes depositadas pela Unicamp passam pelo Comitê de Internacionalização. Iara Ferreira, diretora de Parcerias da Inova Unicamp, explica que o trabalho de análise quanto à opção de internacionalização de uma patente da Universidade começa já no momento em que o docente ou o pesquisador comunica que chegou a um resultado com aplicação industrial. Patrícia e Iara são categóricas ao confirmar que a definição pela internacionalização de uma patente da Unicamp não se detém apenas às questões técnicas e que, portanto, o trabalho do Comitê de Internacionalização também busca identificar as demandas de empresas que possam ter interesse em licenciar tecnologias da Unicamp.

“Ao recebermos a comunicação de invenção, iniciamos o entendimento quanto às aplicações e já começamos a mapear as aplicações no mercado nacional e internacional da tecnologia. Quando uma tecnologia vai para o Comitê de Internacionalização, a área de Parcerias inicia o pré-diagnóstico de mercado, com o objetivo de analisar onde estão as empresas que potencialmente tenham interesse em licenciar a tecnologia da Unicamp”, explica Iara.

“Nesse pré-diagnóstico, é possível entender que empresas estão investindo numa determinada área. Quanto antes fazemos essa análise, mais cedo conseguimos mapear o mercado de uma tecnologia, para então optar ou não pelo pedido de PCT”, ressalta Patrícia.

Em 2017, a Unicamp, por meio da Agência de Inovação, realizou 27 pedidos via PCT. Já, em 2016 e 2015, foram efetuados, respectivamente, 33 e 21 pedidos. Vale lembrar que a Unicamp conquistou o primeiro lugar entre as instituições nacionais no ranking de pedidos de patente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em 2017. Embora o INPI considere 77 patentes depositadas pela Universidade, ela teve participação ativa no desenvolvimento de outras quatro tecnologias, totalizando 81 pedidos de patentes no ano passado.

“Algumas tecnologias possuem uma abrangência mais local ou são específicas para responder a desafios mais característicos de nosso país. Nesses casos, não há necessidade de internacionalização. Além disso, analisamos também o custo-benefício de internacionalizar a patente”, explica Patrícia.

O aumento no número de pedidos via PCT pela Unicamp em uma década – a Universidade depositou 11 pedidos de PCTs em 2007 e 27 em 2017 – tem dois principais motivos. Primeiro, é mais um indício da internacionalização da pesquisa na Unicamp. “Olhando nosso portfólio, são poucas as tecnologias sem apelo global”, frisa Iara. Na opinião dela, isto se deve ao fato de a Unicamp buscar desenvolver tecnologias de impacto em áreas estratégicas. “A pesquisa na Unicamp é voltada para o desenvolvimento de tecnologias de fronteira, que englobam áreas como Inteligência Artificial, Alimentos, Fármacos, entre outras que têm apelo mundial e que mais necessitam de inovação”, aponta a diretora de Parcerias.

Um segundo motivo é a profissionalização da gestão da inovação na Universidade. A Inova foi criada em 2003, um ano antes da Lei de Inovação brasileira, mas a Unicamp já lida com questões relacionadas à área de proteção à propriedade intelectual desde os anos 1980. “Em 2018, a Inova completa quinze anos de atividade e demonstra, em seus resultados, uma estratégia bem-sucedida de fomento à inovação e ao empreendedorismo, que passa pela internacionalização de suas tecnologias e das empresas que apoia”, coloca Newton Frateschi, diretor-executivo da Inova Unicamp.

As peculiaridades de cada sistema

Um dos pontos fundamentais para a opção de internacionalização de uma tecnologia na Unicamp é a perspectiva imediata de seu licenciamento para uma empresa. Ou seja, a decisão pela internacionalização de uma patente caminha lado a lado com a demonstração de interesse de empresas parceiras. “Ofertas que tiveram feedback positivo de empresas ou que já tiveram um termo de confidencialidade assinado indicam que a internacionalização via PCT é adequada”, afirma a diretora de PI. Além da análise em todas estas dimensões, há ainda a avaliação de orçamento, uma vez que os custos de internacionalização são superiores aos da proteção no Brasil. Entretanto, vale ressaltar que é comum que os custos relacionados à internacionalização de patentes sejam cobertos por empresas parceiras, logo após firmado o contrato de transferência de tecnologia.

Embora o pedido via PCT seja, invariavelmente, a primeira opção para a internacionalização de uma tecnologia na Unicamp, Patrícia explica que a estratégia completa de internacionalização é definida pela empresa que licencia uma tecnologia com mercado global logo após o contrato de licenciamento, optando pela proteção direta nos mercados internacionais mais competitivos, como no Escritório de Patentes Norte-Americano (USPTO) e no Escritório de Patentes Europeu (EPO), o que é chamado de entrada nas fases nacionais.

Dado que a proteção patentária é territorial, as fases nacionais garantem o direito de exploração, produção e comercialização da tecnologia naquele local em que a patente foi requerida. Patrícia comenta que é comum empresas internacionais buscarem a proteção da propriedade intelectual tanto em países relevantes comercialmente, quanto em seus países de origem, por exemplo.

Mas, então, qual a diferença entre um pedido de patentes via PCT e um pedido em fase nacional?

A opção para os pedidos via PCT propicia benefícios importantes. Além do custo ser mais baixo do que fazer a opção pela fase nacional em todos os países signatários do tratado, o depositante ganha um período de até 30 meses para decidir em quais países membros do sistema PCT quer proteger sua invenção via fase nacional e, consequentemente, explorá-la neste território. Em outras palavras, o solicitante ganha uma proteção provisória de 30 meses, antes de arcar com os custos associados às fases nacionais, que são mais altos.

“Com o PCT, é possível internacionalizar uma patente em um grande número de países que são signatários do tratado, ganhando prazos. É necessário solicitar o PCT em até 12 meses após o depósito no Brasil e, com isso, é possível definir os países estratégicos em até 18 meses. Do primeiro depósito até a nacionalização, o titular tem o período de 30 meses. Isso é ótimo porque se ganha tempo para análise de negócio”, corrobora.

Na opinião de Patrícia, vale a pena entrar com um pedido de patente em fase nacional quando o período de 12 meses já está próximo do vencimento. Com isso, há um levantamento mais certeiro sobre o mercado. “Quanta mais fina for a sua análise e quanto mais informações você tiver, melhor você consegue avaliar. Mais tarde, você consegue ter melhores definições estratégicas. Por outro lado, quando a patente já está licenciada, a indústria pode tomar a decisão de nacionalizar nos países de interesse antes do prazo visando uma concessão mais ágil em países europeus, EUA ou Japão em função da previsão de lançamento do produto naquele país, por exemplo”, aponta, frisando que tudo depende do estágio de desenvolvimento da tecnologia e do tempo até o lançamento de um produto.

Agroindústria internacional vai se beneficiar de aditivo natural

A concessão na Europa e nos Estados Unidos da patente para uma micropartícula composta por óleos essenciais de capim-limão e palmarosa, que pode ser empregada como um aditivo nutricional às rações de suínos, possibilitando o controle de doenças ocasionadas por enterobactérias, é um dos casos de proteção internacional bem-sucedidos da Unicamp. O pedido de patente foi depositado junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2012 e no PCT em 2013. Após estratégia traçada junto à empresa licenciada, a tecnologia pode ser explorada na Europa e nos Estados Unidos.

“A tecnologia permite substituir antimicrobianos sintéticos usualmente utilizados como promotores de crescimento animal, e pelos quais as bactérias já adquiriram resistência, por um aditivo natural. Consequentemente, proporcionará o fornecimento de carne de suíno mais segura para o consumidor e um passo real no combate à resistência microbiana a drogas”, revela a professora Marta Cristina Teixeira Duarte, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) e inventora responsável pelos estudos.

Uma vez que a micropartícula é composta por óleos naturais, trata-se de uma tecnologia verde e que surge como alternativa ao uso de medicamentos. “São países que buscam a substituição dos antibióticos e promotores de crescimento tradicionais pelos ativos obtidos de fontes naturais, visando menor resíduos nos produtos derivados [carne, leite e ovos]”, explica Marta.

A docente defende que, desde o início dos estudos, já se vislumbrava a possibilidade de inserir a tecnologia no mercado internacional. “Vários dos antimicrobianos sintéticos utilizados para este fim já foram abolidos, inicialmente na União Europeia (desde 1998), depois no Brasil e mais recentemente nos EUA, sendo que a tendência mundial é que se exclua totalmente essa prática”, revela.

“O licenciamento da tecnologia e a concessão no Exterior é um fator de estímulo para o trabalho de docentes e pesquisadores da Universidade, além de salientar a excelência da Unicamp em inovação tecnológica”, completa Marta.

“Nós já sabíamos, desde o início, que esta tecnologia seria de interesse internacional, até porque se trata de um fármaco, com aplicação animal. As tecnologias farmacêuticas, normalmente, têm apelo internacional”, ressalta a diretora de Parcerias da Inova Unicamp. O desenvolvimento da micropartícula se deu por meio de uma parceria com uma empresa que atua no ramo de saúde animal. A tecnologia foi licenciada em caráter exclusivo para esta mesma empresa em 2014. Este ano, os inventores estão sendo premiados na categoria “Patente Concedida” no Prêmio Inventores.

Também participaram do desenvolvimento da micropartícula os pesquisadores Glyn Mara Figueira, Rodney Alexandre Rodrigues, Benício Pereira, Mary Ann Foglio, João Ernesto de Carvalho e Ana Lúcia Tasca Góis Ruiz. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) apoiou a realização das pesquisas que resultaram na tecnologia.

Fonte: Jornal da Unicamp

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