5 de fevereiro de 2016 A premiada coaShe., startup para mulheres da tecnologia
Texto e Foto: ASCOM Unicamp
Uma startup fundada por alunos da Unicamp acaba de conquistar um prêmio nacional na Campus Mobile, competição que visa atrair e formar talentos para o desenvolvimento de soluções inovadoras para dispositivos móveis. Eles venceram com o projeto coaShe., uma plataforma mobile de mentoria e coaching para mulheres da área de tecnologia. Por esta plataforma, prevista para ser lançada este mês, as mulheres podem oferecer mentoria em assuntos profissionais ou buscar novos conhecimentos.
“O propósito principal do coaShe. é iluminar histórias de mulheres que fazem trabalhos incríveis na tecnologia, para que elas possam servir de inspiração para que outras mulheres se identifiquem com a área e também para que possam conquistar posições cada vez mais estratégicas na carreira”, afirma Carolina Bonturi, aluna de ciência da computação, cujos companheiros na startup são Daví Rodrigues (engenharia de controle e automação) e Sidney Orlovski (engenharia de computação), todos da Unicamp.
O coaShe. também inaugurou um blog em que histórias de mulheres inspiradoras são publicadas mensalmente, tendo como primeira entrevistada a professora Claudia Bauzer, do Instituto de Computação (IC), uma das primeiras mulheres do Brasil a conquistar o título de doutora em computação. Os alunos, que tiveram o projeto selecionado para apresentação na Campus Party Brasil, concederam a entrevista abaixo por e-mail.
Pergunta – Quando e com que propósito vocês fundaram a startup?
Resposta – A startup foi iniciada dentro do Programa BEPiD Campinas. Trata-se de uma parceria da Apple com o Instituto Eldorado para capacitar jovens a desenvolver aplicativos em iOS (iPhone, iPad etc.). O propósito do BEPiD, além de ensinar a parte técnica de programação, é que todos os alunos possam ter alguma experiência empreendedora também. Dessa forma, desde julho do ano passado, formamos uma equipe que tem o desejo comum de endereçar o problema de desigualdade de gênero nas áreas de tecnologia. A formação do grupo se modificou ao longo dos meses, assim como o projeto, que foi pivotado diversas vezes também, sempre buscando integrantes cujo sonho estava alinhado com nossa cultura de promoção da diversidade e uma solução que pudesse atender da melhor forma nosso público-alvo.
P – Pode dar mais detalhes sobre como funciona o projeto coaShe.?
R – O coaShe. é uma plataforma mobile de mentoria e coaching para mulheres de tecnologia. Nesta plataforma, mulheres podem oferecer mentoria em diversos assuntos que dominam, ou então procurar por determinado assunto sobre o qual desejem saber mais. Os assuntos são variados: linguagem de programação, desenvolvimento pessoal, empreendedorismo, design, dentre outros. O foco da solução está em garantir que role models estejam presentes no imaginário e na vida da mulher que está na tecnologia, e que tanto aquela em posição consolidada, quanto aquela em início de carreira, possam se unir e criar uma comunidade de empoderamento profissional.
Além do aplicativo mobile, temos um blog onde compartilhamos histórias de mulheres de tecnologia cuja carreira é um exemplo a ser seguido. Nossa primeira entrevista foi com a professora Claudia Medeiros Bauzer, docente do Instituto de Computação da Unicamp, referência em banco de dados e uma das primeiras mulheres a ter um título de doutora no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, vemos muitas iniciativas que contam a história das mulheres empreendedoras do Vale do Silício. Queremos contar as histórias das nossas mulheres brasileiras que fazem trabalhos incríveis de tecnologia e fazer com que elas sirvam de inspiração para que outras mulheres se identifiquem com a área e possam alcançar cargos elevados na carreira.
P – Poderia dar um panorama sobre a presença das mulheres no campo da tecnologia? A presença é tão baixa para justificar iniciativas como a de vocês?
R – A diferença em relação à distribuição de gênero entre profissionais na tecnologia é devastadora: no Brasil, as mulheres representam apenas 20% da força de trabalho e esse baixo percentual se repete em muitos outros países. Uma das razões verificadas através de pesquisas e entrevistas para que este cenário se consolide é o fato de existirem poucas modelos profissionais femininas (role models), especialmente ocupando cargos de destaque na mídia ou de influência estratégica nas empresas de tecnologia. Essa falta de role models desencadeia dois grandes problemas: 1) as mulheres não se identificam com a profissão e deixam de considerar carreiras de tecnologia como escolha profissional, e então temos a baixa procura por esses cursos universitários; 2) as mulheres não conseguem enxergar um caminho claro para avançar na carreira, pois existe um mistério e um sentimento de isolamento, uma vez que a falta de mentoria apaga o caminho das mulheres para atingir determinada posição.
O coaShe. pode ser uma ferramenta poderosa de transformação social. Conforme publicação da Harvard Business Review, “Stopping the Exodus of Women in Science”, existem mulheres engenheiras e cientistas que atuam de forma brilhante no mercado de tecnologia. Conseguimos fazer um paralelo com o Brasil no sentido de que, embora exista a primeira barreira de entrada (apenas 13% dos candidatos a cursos universitários de tecnologia são mulheres, em média), há também a dificuldade de retenção desses talentos por parte da empresa. O artigo revela uma taxa de 52% de pedidos de demissão, drenando ainda mais a participação das mulheres na área. A importância do coaShe. reside justamente na causa central desse abandono e falta de interesse pela carreira de tecnologia.
Propomos uma mudança na abordagem, trazendo um discurso positivo de transformação: ao invés de reforçar a falta de mulheres, nossa solução ilumina aquelas que estão alcançando grandes posições sociais profissionais. Por exemplo: uma estagiária do setor mobile que se sente hostilizada no ambiente de trabalho pode transformar seu sentimento de isolamento ao encontrar uma mentora que foi bem sucedida na criação de um app; ou uma gerente da área de processadores pode encontrar uma mentora para trocar experiências sobre questões técnicas de hardware; ou uma diretora pode procurar uma mentora para conversar sobre a cultura de determinado país, para onde ela acabou de ser transferida… São inúmeras possibilidades e todas as mulheres podem ser mentoras (ou coaches) e/ou mentoradas (coachees). Não existe uma hierarquia imposta e a proposta é transformar as relações de trabalho das mulheres de tecnologia, para que elas possam trocar experiências e participar em comunidade de um processo de desenvolvimento mútuo.
Além dessas considerações de inclusão de minorias em cargos estratégicos, há também um fator importante para as organizações. Um artigo publicado pelo MIT (686 of Science, October 2010) respondeu à seguinte pergunta: “Por que algumas equipes são mais inteligentes do que outras?”. A pesquisa aponta para três características, dentre elas a inclusão de mulheres nas equipes. Este fator indica que a falta de diversidade nos times afeta a performance do grupo. Sendo assim, o coaShe., como disse, pode ser uma ferramenta poderosa de inclusão social e profissional, e também pode ser capaz de modificar o contexto atual, trazendo benefícios para o mercado.
P – O que é o Campus Mobile e qual a importância deste prêmio para vocês?
R – Criado em 2011 pelo Instituto Embratel Claro, em parceria com a Associação do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSI-TEC) e com o apoio da Escola Politécnica da USP, o programa Campus Mobile tem como objetivo atrair e formar talentos para o desenvolvimento de soluções inovadoras para dispositivos móveis. Este ano, os projetos concorriam em dois temas: Educação e Facilidades. O coaShe. venceu na categoria Facilidades, que identifica projetos inovadores “voltados para tornar a vida mais prática, divertida, segura, que incentivem hábitos saudáveis ou que contribuam para o exercício de direitos civis”. Esse prêmio foi muito importante para o projeto porque nos ofereceu um alcance em nível nacional, uma vez que estávamos competindo com muitos projetos de todos os estados do Brasil.
Para nós, receber mentoria dos tutores do projeto foi crucial, pois pudemos reformular muitos pontos do produto, especialmente os que tangem à parte de modelo de negócios. Além disso, mesmo durante a etapa final de avaliação, a banca foi extremamente generosa em nos oferecer diversos insights sobre como poderíamos trabalhar com parcerias e sobre como poderíamos refinar o projeto do ponto de vista do usuário. O projeto acontece em várias etapas e a etapa presencial foi importante também para que pudéssemos conhecer outros projetos e outros jovens que, como nós, se reúnem para trazer uma solução para problemas relevantes.
A maioria dos projetos participantes também começou entre universitários, e daí o papel fundamental das instituições de ensino em reunir pessoas e fomentar iniciativas dos alunos. Desde o início fomos muito bem recebidos pela organização, tanto na parte de infraestrutura quanto na parte de curadoria de conteúdo. Eu recomendaria a mais alunos da Unicamp se inscreverem em projetos como esse, porque nos oferece uma dimensão maior de impacto.
P – Como está sendo a participação na Campus Party?
R – O coaShe. foi um dos projetos selecionados para exposição no Startups & Makers Camp, que é uma área de visitação aberta ao público. Recebemos muitas pessoas no nosso espaço, conhecemos outros projetos e iniciativas com objetivos alinhados com o nosso, alguns investidores e, principalmente, pudemos receber mentoria direcionada para o nosso projeto. Tivemos a oportunidade de conhecer o diretor do Impact Hub Network, Ruy Lopes, ex-aluno da Unicamp, que nos apontou muitas oportunidades para o nosso projeto, em nível local e global. São oportunidades únicas de poder expor nossas ideias e receber feedbacks de pessoas que, como ele, possuem uma paixão empreendedora, competência e vontade de criar um mundo radicalmente melhor. Fizemos uma ação de marketing que gerou grande adesão dos visitantes: pedimos para que as pessoas que se interessassem pelo coaShe. deixassem um recado para as futuras calouras dos cursos de tecnologia da Unicamp. Queremos entregar essas mensagens de incentivo às alunas que ingressarão na Universidade este ano, como uma forma singela de motivação e um abraço da comunidade de tecnologia.