15 de janeiro de 2016 O DNA da inovação nas metrópoles
A Região Metropolitana de São Paulo, atrás apenas das megalópoles de Xangai e Pequim, na China, e de Seul, na Coreia do Sul, aparece em 4º lugar numa lista de aglomerados urbanos em que o conhecimento gerado pelas universidades cresceu de forma acentuada nos últimos anos, multiplicando interações com empresas e organizações da sociedade e modificando a economia e o ambiente das cidades. O ranking foi apresentado em junho por Méric Gertler, professor do Departamento de Geografia e Planejamento e atual reitor da Universidade de Toronto, no Canadá, em um fórum bianual que reúne líderes de universidades de pesquisa, o Glion Colloquium, na Suíça. O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, que participou do encontro, comentou: “Foi uma agradável surpresa assistir à palestra de Méric Gertler, que aconteceu no dia seguinte à minha, e ver o destaque dado a São Paulo como cluster de produção científica”.
Referência internacional em estudos sobre geografia da inovação, Gertler compilou dados sobre a produção científica em aglomerados regionais, extraídos da base Web of Science, da empresa Thomson Reuters, e analisou redes de colaboração vinculadas a essa produção. Em seguida, comparou o desempenho de cada região entre 1996 e 2013. Nesse ranking, que mostra a evolução da produção científica nas últimas duas décadas, São Paulo, com um aumento de mais de 400%, e as metrópoles asiáticas (Xangai teve crescimento de 1000%) apareceram nos primeiros lugares, à frente de regiões como Munique, na Alemanha, Boston, nos Estados Unidos, e Londres, na Inglaterra. Gertler também apresentou um ranking de regiões baseado no volume de publicações científicas entre 2011 e 2013. Nessa lista, São Paulo aparece na 32ª posição, com cerca de 40 mil publicações, atrás de regiões consolidadas como São Francisco, Tóquio e Berlim, mas à frente de grandes regiões como Munique e Manchester-Liverpool.
Os dados sugerem que universidades de pesquisa imprimem um dinamismo para as regiões que as abrigam, dando impulso à economia, à inovação e à criatividade. Entre as 50 universidades mais bem colocadas no ranking da Times Higher Education, mostrou o reitor, apenas sete estão em aglomerados com menos de 1 milhão de habitantes – nas outras 43, a existência de uma universidade de classe mundial atrela-se a alguma grande região metropolitana, cujas empresas e instituições se beneficiam do conhecimento e dos recursos humanos gerados pela academia ao mesmo tempo que propõem demandas que desafiam o ambiente acadêmico. O aglomerado urbano de São Paulo é definido, na análise de Gertler, como a megalópole de mais de 30 milhões de habitantes formada pela capital paulista, Campinas e São José dos Campos, onde há universidades como a de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp), as federais do ABC (UFABC) e de São Paulo (Unifesp) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), além de três institutos da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Apenas a USP, que tem seu principal campus na capital paulista, é responsável por 22% da produção científica brasileira, segundo dados da Web of Science. “Esse polo brasileiro tem uma história notável. Há apenas 25 anos, era pouco conhecido e altamente especializado. Hoje, é uma força global”, disse Méric Gertler à Pesquisa FAPESP. “De acordo com dados bibliométricos da Thomson Reuters, em 1990, a USP colaborava com 350 instituições em 28 países. Em 2014, já eram mais de 6,5 mil instituições em 145 países. Isso é extraordinário.”
Segundo ele, a parceria com universidades é crucial para a reinvenção econômica das cidades. Ele cita como exemplo a trajetória de Pittsburgh, na Pensilvânia, que conseguiu fazer a transição de principal polo siderúrgico norte-americano para uma região próspera e diversificada, referência em atividades como educação, tecnologia, saúde e serviços financeiros. “Pittsburgh se beneficiou tremendamente do impacto da Universidade Carnegie Mellon, da Universidade de Pittsburgh e de outras 35 universidades e faculdades. Da mesma forma, regiões metropolitanas como Boston, São Francisco, Raleigh e Austin se beneficiaram da influência do MIT, das universidades Harvard, Stanford, da Califórnia [em São Francisco], da Carolina do Norte-Chapel Hill, Duke, do Texas [em Austin], e outras escolas menores e menos famosas”, afirmou Gertler. “Isso também vale para o Canadá, em locais como Toronto e Vancouver, e outros, ao redor do mundo. Pense em Singapura ou na região de São Paulo, incluindo São José dos Campos e Campinas, por exemplo.”
Muitos países, reconhecendo o valor da participação em redes globais de conhecimento, selecionam algumas de suas universidades líderes em pesquisa para concentrar investimentos, o que ajuda a atrair e reter estudantes e pesquisadores talentosos. “Isso resulta em enormes crescimentos de publicações, citações e colaborações – e é uma boa notícia para todos”, disse Gertler.
O levantamento adota uma metodologia utilizada por outros grupos de pesquisa, segundo a qual indicadores bibliométricos também funcionam para apontar, mesmo que de maneira indireta, o vigor de atividades econômicas e da sociedade civil que naturalmente se conectam com as universidades. “A pesquisa científica é, por definição, uma atividade criativa e inovadora – e ela própria é um motor do desenvolvimento urbano”, escreveram Christian Wichmann Matthiessen, pesquisador da Universidade de Copenhague, Annette Winkel Schwarz e Soren Find, da Universidade Técnica da Dinamarca, num artigo sobre cidades globais publicado em 2009 que utilizou a mesma metodologia usada por Gertler. “O gestor de um fundo de capital de risco foi direto ao ponto ao dizer: o dinheiro flui para onde as ideias fluem”, afirmou Gertler que, adverte, porém, para as conhecidas limitações do uso de indicadores bibliométricos, que em geral falam muito sobre quantidade, mas não necessariamente sobre qualidade.
Méric Gertler dedicou boa parte de sua carreira acadêmica a estudar as economias das regiões urbanas e o papel que grandes instituições, como universidades, desempenham no seu desenvolvimento. Segundo ele, há vários meios pelos quais universidades de pesquisa intensiva impulsionam regionalmente a inovação, a prosperidade e a reinvenção da economia. Em primeiro lugar, diz, universidades são fontes de dinamismo e resiliência para as economias das regiões urbanas. Elas gerenciam orçamentos vultosos e propiciam pesquisas em parceria com indústrias, instituições e organizações sem fins lucrativos. “Esse tipo de pesquisa baseado em parcerias muitas vezes leva a novos achados em ciência fundamental e aplicada. Quando parceiros locais trabalham com uma universidade, professores e alunos são tanto os provedores de novas ideias como seus beneficiários. Além disso, grande parte da pesquisa realizada dentro de nossas instituições encontra o seu caminho no mercado através de canais como acordos de licenciamento de tecnologia, patentes e startups.”
Formar capital humano, observa Gertler, representa a principal contribuição das universidades para suas regiões e países. “Educar os estudantes é, de longe, a mais importante forma de transferência de tecnologia das universidades. Eles são uma injeção poderosa de criatividade, compromisso e energia em sua comunidade”, diz o reitor. E isso funciona para todas as áreas do conhecimento. “Muitas vezes ouvimos que nossos países precisam de mais graduados em ciências, tecnologia, engenharia e matemática. Estes campos, é claro, são cruciais. Mas deve-se dizer que os graduados em ciências humanas e ciências sociais geram dinamismo e resiliência na mesma medida. As ciências humanas e sociais nos permitem pensar de forma ampla e profunda sobre nossos problemas e os valores que nos orientam a criar soluções.” Na era digital, segundo ele, é preciso ser capaz de analisar as informações de forma crítica e criativa, de ordenar os pontos-chaves para formar argumentos persuasivos, de ouvir e aprender com outras perspectivas.
Universidades de pesquisa também funcionam como portas de entrada que conectam suas regiões com o mundo e vice-versa. “Colaborações entre pesquisadores e publicações em coautoria estão se acentuando ao longo do tempo e cada vez mais têm caráter internacional. Não são distribuídas aleatoriamente. Com mais frequência, as parcerias internacionais são celebradas entre instituições de elite, localizadas em outras grandes regiões urbanas. Nas palavras de um recente editorial na revista Nature, a excelência busca a excelência, por isso universidades nacionais de elite também lideram colaborações internacionais”, afirma o reitor. Isso é importante, observa Gertler, porque a prosperidade presente e futura das universidades dependem de sua capacidade de ter acesso e de usar não apenas o conhecimento produzido localmente mas também aquele produzido em outros centros principais de pesquisa e inovação em todo o mundo.
As universidades, por fim, exercem uma influência estabilizadora em sua vizinhança. “Tomando emprestado um conceito do varejo, nossas instituições são como ‘lojas-âncora’ nas comunidades. O tamanho das nossas instituições gera um impacto econômico substancial em toda a região – na criação de empregos, na receita fiscal e no empreendedorismo”, diz Gertler, que também aponta o impacto local positivo das atividades de extensão exercidas por seu corpo docente, funcionários e alunos em comunidades vizinhas e bairros. Um exemplo: estudantes de odontologia da Universidade de Toronto atenderam 78 mil pacientes no ano passado, como parte da atividade de extensão.
Universidades também contribuem para a reconstrução da infraestrutura física das cidades e, com frequência, desempenham papel de liderança na regeneração do tecido urbano. “Não é à toa que tantos municípios recorrem a instituições de ensino superior para dar vitalidade a seus centros urbanos envelhecidos.”
A cidade de São Paulo foi formada pela convergência de movimentos econômicos favoráveis, como o do café e a industrialização, a diversidade cultural promovida por processos migratórios e o desenvolvimento científico fomentado por grandes universidades, observa Leandro Medrano, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. “Sua liderança regional está ligada a essa singular situação que transformou uma vila na maior megacidade da América Latina em menos de um século. Tal diversidade e pujança econômica impulsionaram ciclos contínuos de inovação em diversos setores, como a ciência, a cultura e as artes”, afirma. Na avaliação de Medrano, a maior ameaça a essa estrutura é a violência urbana e o desejo de confinamento de parte da sociedade. “A proliferação de condomínios fechados, verticais e horizontais, e centros comerciais poderia fracionar a cidade em microssistemas murados. E com isso prejudicar suas potencialidades como centro de inovação. Felizmente essa tendência dos anos 1980 e 1990 parece estar tomando outros rumos. São Paulo pode estar iniciando um novo ciclo de avanço em relação às suas virtualidades urbanas”, diz.
Renato de Castro Garcia, professor do Instituto de Economia da Unicamp, lembra que a região de São Paulo sofreu um processo de fuga de indústrias para regiões com custos menores e facilidades logísticas. “Mas as soluções tecnológicas das empresas têm mais dificuldade de se descentralizar, porque a proximidade física e geográfica com a geração do conhecimento tem um peso importante”, afirma. Garcia orientou uma dissertação de mestrado, defendida na USP pela economista Ariana Ribeiro Costa, que analisou a dinâmica das empresas de tecnologia de informação da Região Metropolitana de São Paulo. “As empresas que se concentram na cidade e em regiões próximas a ela são intensivas em conhecimento”, diz Ariana. Ela concluiu que essas empresas seguem se concentrando nas vizinhanças da capital paulista porque, a despeito dos custos, identificam na cidade elos para sua consolidação e oportunidades de troca de conhecimento. “O contato face a face e a diversificação produtiva exercem um papel fundamental nessa concentração e nas trocas de conhecimento geradas nesses ambientes”, afirma Ariana, que utiliza o conceito de conhecimento tácito, bastante explorado por Méric Gertler em seus estudos sobre aglomerados econômicos. O conhecimento tácito, que se opõe ao conhecimento codificado em livros, é aquele que não é facilmente transferível e depende de contato pessoal, interação regular e confiança para ser repassado.
O trabalho de Ariana ajuda a explicar por que a capital paulista foi a única metrópole da América Latina listada na última edição do relatório Global Startup Ecosystem Ranking 2015, que avalia o ambiente para o desenvolvimento de empresas nascentes de tecnologia, as startups. São Paulo ocupa a 12ª colocação, superada, por exemplo, pelo Vale do Silício (Califórnia), Nova York, Los Angeles e Boston, nos Estados Unidos. No caso de São Paulo, o estudo aponta como pontos fortes o fato de ser a capital econômica da América Latina, além do financiamento às empresas nascentes de tecnologia em atividade, cujo número estimado chega a 2,7 mil. Os investimentos de fundos de capital de risco em startups tecnológicas de São Paulo em 2014 foram maiores que os feitos em empresas de Seattle, nos Estados Unidos. “São Paulo possui mais talentos do que qualquer ecossistema de startups da América do Sul”, destacam os autores do estudo.
A pujança de aglomerados de inovação desafia a ideia de que, por meio da globalização, o mundo se tornou plano, proposta num livro do jornalista norte-americano Thomas Friedman, observa Veneziano de Castro Araújo, professor de economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“É certo que a globalização levou a uma convergência que permitiu a países como Índia e China ingressarem na cadeia global de fornecimento de serviços e produtos, mas continuam a existir pontos em que a competência se aglomera mesmo dentro desses países”, afirma Araújo, que em 2013 defendeu tese de doutorado na USP, também orientada por Renato Garcia, abordando os efeitos da proximidade na dimensão local da inovação no Brasil.
Ele cita o exemplo da criação da Unicamp. “A universidade começou a formar engenheiros bastante qualificados e seu entorno a atrair empresas, que ampliaram a demanda por esses profissionais. A necessidade das empresas também exigiu que os engenheiros aprendessem tecnologias que não estavam disponíveis e incentivou colaborações com a universidade. E outras empresas que desejavam vir para o Brasil escolheram Campinas para se instalar, interessadas na boa interação entre a universidade e as indústrias”, explica. “A Embraer é outro exemplo e surgiu a partir da mão de obra formada pelo ITA, mas hoje absorve engenheiros formados na USP e na Unicamp. Isso é possível graças à proximidade, à especialização e ao conhecimento tecnológico da região”, afirma. Esses fatores não impedem, diz Araújo, que se intensifiquem interações entre pesquisadores e empresas de regiões distantes, mas elas não fluem com a mesma velocidade que as colaborações dentro dessas aglomerações.
Fonte: Agência Fapesp