Pesquisa explora como Agências de Inovação veem seu ambiente no Brasil

Texto: Vanessa Sensato

Foto: Camila Kater

A Universidade de Cambridge, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas, divulgou esta semana relatório sobre sua pesquisa a respeito dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT)  brasileiros, em alguns casos também nomeados como “Agências de Inovação”. Os NITs são os órgãos dentro das universidades e institutos de pesquisa que são responsáveis pela gestão da inovação nestas instituições.

A pesquisa – que foi enviada para 193 NITs brasileiros e foi respondida por 33, NITs por meio da plataforma Survey Monkey – foi complementada por um workshop presencial, realizado em março deste ano, que trouxe para discussão 11 NITs brasileiros, o Consulado Britânico e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Além da extensão de dados quantitativos, o diferencial dos resultados apresentados no relatório de Cambridge frente às pesquisas nacionais é a presença de dados qualitativos, que abordam a visão dos NITs sobre seu ambiente, o que incluiu seu ponto de vista sobre a Lei de inovação e sobre o apoio para as atividades de transferência de tecnologia e de proteção à propriedade intelectual em cada uma das instituições. Especialista em políticas públicas, o professor da Universidade de Cambridge responsável pela pesquisa, Finbarr Livesey, explica que embora sua atuação não seja diretamente ligada aos NITs brasileiros,  seu objetivo foi trazer insumo adicional para a discussão que permeia a revisão do Marco Legal da Inovação no Brasil. “Levantamos alguns pontos que podem ser discutidos pelos especialistas nacionais”, coloca Livesey.

Entre os resultados de destaque, o relatório de Cambridge aponta que, embora a Lei de Inovação torne mandatória a constituição de NITs dentro das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT), mais da metade dos respondentes não acredita que seu NIT receba apoio adequado dentro de suas instituições, e 63% dos respondentes não acredita que os pesquisadores são incentivados de maneira suficiente para trabalharem com os NITs.

A pesquisa realizada por Cambridge também traz alguns comparativos entre os dados nacionais – levantados na pesquisa – e indicadores no Reino Unido. Um destes casos se refere à taxa média de recusa de uma comunicação de invenção – quando um inventor requisita ao NIT a proteção de uma tecnologia. No Brasil, a taxa média levantada na pesquisa é de 30%, enquanto no Reino Unido, é de 50%. Livesey, da Universidade de Cambridge, coloca que esta taxa pode indicar fraqueza no processo de seleção de tecnologias para o patenteamento entre os NITs brasileiros.

Patrícia Leal Gestic, diretora de propriedade intelectual da Agência de Inovação Inova Unicamp, explica que um dos fatores que eleva a taxa de recusa de comunicações de invenção no Reino Unido é a ausência do chamado “período de graça” entre vários países europeus, incluindo o próprio Reino Unido. “No Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo, há o que chamamos de período de graça que nos garante fazer o pedido de patente até 12 meses após a divulgação de informação sobre a tecnologia pelos próprios autores. Já na Europa, se um docente divulga informação sobre a tecnologia por meio de um paper ou em um congresso, o pedido de patente fica inviabilizado pelo requisito novidade absoluta”, esclarece a diretora. Para Patrícia, os NITs mais estruturados no Brasil já possuem metodologia bem definida para subsidiar a decisão de proteger ou não uma invenção e, consequentemente, para garantir a liberdade de operação das tecnologias quando exploradas por empresas.

Ana Tokormian, diretora da Agência de Inovação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), tem a mesma avaliação e cita a Agência de Inovação da UFSCar como exemplo. “A Agência faz a avaliação do potencial de mercado do invento, de maneira que somente são encaminhadas para patenteamento as invenções que tenham chance de serem licenciadas para spin-offs da Universidade ou empresas já estabelecidas no mercado”, explica. Spin-offs acadêmicas são empresas formadas para comercializar tecnologias desenvolvidas na academia.

As diversas rotas para a comercialização da tecnologia desenvolvida na Universidade também foram objeto de análise da pesquisa de Livesey, que apontou o licenciamento de tecnologias como rota mais comum entre os NITs nacionais. Entretanto, um terço dos NITs respondentes não assinaram nenhuma licença no ano de 2013. De acordo com o professor Milton Mori, diretor-executivo da Agência de Inovação Inova Unicamp, há várias questões que envolvem a tendência nacional para a transferência de tecnologias acadêmicas por meio de licenciamento, mas um dos pontos é crítico: “no Estado de São Paulo, por exemplo, a legislação é muito restritiva para a criação de empresas spin-offs por pesquisadores e docentes vinculados a ICTs, que é um caminho mais flexível no Reino Unido e nos Estados Unidos”, avalia Mori. O docente considera que será necessária uma alteração mais ampla no marco regulatório da inovação estadual e federal e também a revisão na Lei do funcionalismo público do Estado de São Paulo. “Embora a Lei de Inovação permita, a regulamentação do funcionalismo público no Estado de São Paulo considera como conflito de interesse o licenciamento de uma tecnologia da universidade para uma empresa criada por um docente. Precisamos de uma revisão neste conceito para podermos promover a constituição de mais empresas e levar mais tecnologias da universidade para o mercado”, pontua.

Neste contexto, Patrícia comenta que se a legislação atualmente não permite a transferência de tecnologias acadêmicas para empresas spin-off vinculadas a docentes, as universidades, por outro lado, estão se movimentando para apoiar a criação de empresas spin-off  por outras vias. Ela cita o recente levantamento entre as chamadas “Empresas Filhas da Unicamp” – grupo de 244 empresas formadas por ex-alunos e ex-docentes, principalmente – que apontou que há pelo menos 20 contratos de licenciamento de tecnologias para estas empresas, sendo oito delas consideradas empresas spin-off. “Entretanto, ainda há um grande desafio com relação à captação de recursos privados para prova de conceito das tecnologias”, coloca a diretora.

Veja a pesquisa da Universidade de Cambridge neste link

Instituições de Ciência e Tecnologia recebem R$ 185,5 milhões em projetos com empresas

As Instituições de Ciência e Tecnologia (ICT) brasileiras receberam no ano de 2013 R$ 185,5 milhões em projetos que envolvem transferência de tecnologias para empresas, o que representou um acréscimo superior a 50% nos rendimentos recebidos no ano de 2012. A informação será publicada no relatório de divulgação do Formict, Formulário para Informações sobre a Política de Propriedade Intelectual das Instituições Científicas e Tecnológicas do Brasil, realizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

De acordo com informações do Ministério, 261 ICTs responderam ao Formict em 2014, com relação a seus dados em 2013, mas o formulário com dados do ano de 2013 ainda não foi divulgado em função de restrições relativas ao período eleitoral.

Para o secretário Armando Zeferino Milioni, da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Setec) do MCTI, os dados demonstram que há instituições se beneficiando ativamente do processo de comercialização das tecnologias geradas internamente. “Ainda há espaço para melhorias e o MCTI tem participado ativamente no aprimoramento do ambiente de interação ICT e empresa, por meio de programas de incentivo e também na revisão do Marco Legal da Inovação”, coloca Milioni.

Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul são mais ativas

Com relação aos números absolutos de contratos de licenciamento de direitos de propriedade intelectual informados no Formict, observou-se que 25 instituições foram responsáveis por 1245 contratos de licenciamento, concentrando-se basicamente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. De acordo com Milioni, os contrastes regionais na concentração das ICTs no país e, por conseguinte, dos contratos, são tradicionais da dinâmica do desenvolvimento do nosso país. “É importante ainda enfatizar que o licenciamento não é a única forma de transferência do conhecimento, existem outras modalidades igualmente relevantes, como consultorias, pesquisas colaborativas, surgimento de empresas spin-off, dentre outras, que também poderão gerar rendimentos para a instituição.”

Para Milioni, um grande desafio para se ampliar o relacionamento universidade-empresa no Brasil está na estruturação dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) que, desde a implementação da Lei de Inovação tornou-se obrigatória para as instituições públicas. “Os NITs se mostraram nacional e internacionalmente como uma estrutura de interface eficiente entre as instituições científicas e tecnológicas, e as empresas”, avalia MIlioni. Segundo dados do Formict, do universo de 261 ICTs que responderam ao Formict em 2014, ano-base 2013, 63,6% informaram que possuem o NIT implementado. As demais estão em implementação ou ainda não deram início ao processo de constituir uma unidade para gerir a política de inovação na instituição.

Patrícia Leal Gestic, diretora de propriedade intelectual da Agência de Inovação Inova Unicamp, comenta que o desafio para as ICTs vai além da criação dos NITs. “É necessário que seja definida uma estrutura mínima para o funcionamento do NIT, o que inclui a definição de cargos específicos para atuarem nos NITs, bem como dotação orçamentária”. Segundo a diretora, com os NITs ativos na promoção do relacionamento com as empresas, as ICTs se beneficiam muito além do resultado financeiro. “Entre os ganhos indiretos regionais estão o impacto na geração de novos empregos e a absorção de pesquisadores pelas empresas. Para a universidade, é também interessante ter pesquisadores e alunos cada vez mais próximos das realidades das demandas das empresas”, conclui a diretora.

O tema também foi pauta de reportagem do Jornal da Unicamp. Leia aqui

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