23 de setembro de 2013 Revista Pesquisa Fapesp: Leveza na trilha
Estudo gera conhecimento para pneu que compacta menos o solo agrícola
MARCOS DE OLIVEIRA | Edição 210 – Agosto de 2013
É inevitável, máquinas agrícolas deixam trilhas com os pneus quando estão em atividade nas áreas de cultivo. Além das marcas no chão, o peso de tratores e colhedoras, entre outros veículos, provoca a compactação do solo. Um problema antigo que no mundo atual da agricultura de precisão e da alta produtividade precisa ser minimizado em benefício do melhor aproveitamento da terra. A partir da demanda de produtores e fábricas de máquinas agrícolas, a Pirelli decidiu enfrentar o problema e chegou a formular uma nova linha de pneus agrícolas, que garante uma melhor distribuição de tensões no solo e redução na compactação, depois de ter realizado estudos em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O desafio começou no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento, em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, onde, sob a coordenação do engenheiro Argemiro Costa, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para a América Latina, verificou-se a necessidade de conhecer melhor o solo para que a empresa pudesse desenvolver novos pneus agrícolas.
“Modelagem de solo não é competência da Pirelli. Aproveitamos um convênio que temos com a Unicamp há 15 anos e buscamos contato com a Feagri [Faculda-de de Engenharia Agrícola] e a Facul-dade de Engenharia Mecânica [FEM] para obtermos mais conhecimento sobre o tema”, diz Costa. Os estudos começaram em 2008 e foram escolhidos dois alunos do quarto ano, Luís Alfredo Barbosa, da Feagri, e Thiago Henrique Rodrigues, da FEM, que receberam bolsa de estudo da empresa até o mestrado, no período de um ano e meio. “A empresa nos procurou com dúvidas de como acontecia a interação do pneu na compactação do solo. E aí propusemos ensaios na caixa de solo do nosso laboratório”, diz o professor Paulo Graziano, da Feagri.
“A compactação do solo é um problema sério devido ao alto índice de mecanização. Atualmente, ela é mais grave nas plantações de cana-de-açúcar, onde as máquinas são muito pesadas, com 20 toneladas ou mais”, diz Graziano. “Por necessitar passar por todas as entrelinhas com aproximadamente 0,8 metro [m] de largura, espaçadas por 1,5 m, cerca de 60% da área é atingida pelos pneus ou esteiras dos equipamentos de colheita ou transporte. Nessa configuração de plantio trafegam 32 pneus durante o ciclo de produção da cana.” Um dos veículos usados nessa cultura e que prejudica bem o solo é o transbordo, uma espécie de vagão aberto puxado por tratores. Eles trabalham ao lado das colhedoras na remoção e transporte do material colhido até o pátio de transbordo onde a cana cortada é transportada para as usinas em caminhões. “Cada transbordo carregado pode pesar mais de 15 toneladas, sendo geralmente utilizados dois desses veículos puxados por um trator”, diz Graziano. Ele explica que a compactação do solo reduz os espaços vazios e dificulta o movimento de ar e água no solo, necessários para o melhor desenvolvimento das plantas. Sem essas boas condições, a produtividade diminui.
“Fizemos experimentos com alguns pneus que mostraram a deformação e o nível de compactação do solo e até em qual profundidade ocorrem alterações. Também foi verificado em qual região do pneu o efeito é mais evidente”, diz Graziano. Os experimentos foram realizados em uma caixa de solo do Laboratório de Máquinas Agrícolas e Agricultura de Precisão da Unicamp. Ela é construída em alvenaria com 12 m de comprimento, 2 m de largura e 1,5 m de profundidade. Sobre ela corre uma estrutura de aço com uma série de equipamentos tanto para preparar o solo dentro da caixa como para movimentar o pneu e exercer a pressão necessária para os ensaios. A caixa foi preparada com solo de textura média, segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, seguindo uma metodologia desenvolvida no próprio laboratório. O pneu foi montado sobre a estrutura de aço e foram aplicados dois níveis de carga, correspondentes a 55% e 100% da capacidade do modelo de pneu agrícola da Pirelli utilizado no experimento.
Recursos digitais
Nos testes foram realizados ensaios tanto com o pneu parado como em movimento e observadas as deformações vertical e lateral do pneumático e do solo com a ajuda de instrumentos e sensores instalados na caixa usada para os experimentos. Também foi feita uma análise laboratorial para a obtenção dos parâmetros do solo empregado, realizada no Laboratório de Solos da Feagri. Toda a área de contato foi mensurada por meio de recursos gráficos digitais. Depois de analisados, os dados obtidos foram repassados para a equipe da Faculdade de Engenharia Mecânica, sob a coordenação do professor Euclides Mesquita Neto, e serviram de parâmetros iniciais para caracterização do modelo numérico. Eles mostraram por meio de modelagem matemática a interação entre o pneu e o solo, indicando a região de compactação e a extensão da profundidade. Foram feitas duas associações, de compactação e da movimentação do solo. “Quando o pneu inicia o contato com o solo, as barras [grandes saliências no pneu] ou gomos movimentam a terra, mas não compactam, somente depois dessa movimentação é que ocorre a compactação”, diz o engenheiro Igor Zucato, chefe de desenvolvimento de produto agrícola da Pirelli. Ele explica que a produção de um novo pneu exige uma série de parâmetros. “São curvaturas muito complexas, ângulos de posicionamento das barras, se maiores ou menores, no sentido longitudinal ou transversal. Junto a tudo isso existe a característica dos pneus agrícolas que não podem patinar em demasia, precisam de uma excelente tração, além de serem produzidos com compostos de borracha muito resistentes a laceração e corte por trabalhar em ambientes com muitas pedras e caules cortados que podem perfurar o pneu”, diz Zucato.
“Antes do teste ima-ginávamos que aumentando a área de contato do pneu com o solo diminuiria a compactação, o que não é verdade como foi demonstrado.” O que interessa para o pneu é a distribuição de peso e qual ângulo, profundidade, espaçamento e número de barras, e se serão melhores de acordo com o modelo e máquina que ele vai servir. “Esses dados vão determinar a interação com o solo”, diz Zucato. Para chegar aos novos pneus, a empresa utiliza a simulação em sistemas computacionais, muitas vezes em supercomputadores, antes de fazer o primeiro protótipo. “Nós utilizamos há 25 anos modelos matemáticos com o uso de softwares de mercado e desenvolvidos por nós aqui no Brasil ou na matriz da empresa em Milão, na Itália”, diz Costa.
O centro de P&D brasileiro da Pirelli é o segundo maior entre oito existentes no mundo, só perdendo para o italiano. “A área de pesquisa em pneus agrícolas só existe no Brasil onde desenvolvemos produtos para todo o mundo”, explica Zucato. Com forte apelo agrícola, o Brasil produziu, em 2012, 807 mil pneus para esse tipo de uso, número que representa um pouco mais de 1% de todos os pneus fabricados no país segundo a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip). O aumento em relação a 2011 foi de 1,6% em relação ao ano anterior. Nos experimentos computacionais, a Pirelli faz os pneus receberem todo tipo de carga em diferentes simulações de desenho e características. Agora o conhecimento do solo foi incorporado. “O trabalho com a Unicamp resultou na geração de conhecimento que já é aplicado em vários produtos. Não somente em um pneu”, diz Zucato. Contribuiu para isso a contratação pela Pirelli dos dois alunos da Unicamp participantes do estudo. “O Luís Alfredo, que trabalhou diretamente na caixa de solo trouxe bastante informação, principalmente na interação e no comportamento do solo”, diz. Alfredo ficou dois anos na Pirelli e depois preferiu fazer o doutorado e trabalhar no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), também em Campinas.
Desempenho em tração
Com os novos dados, a Pirelli desenvolveu uma linha de pneus que já possui o conhecimento de solo agregado. Um deles, o primeiro a ser lançado, já está sendo usado em transbordos de cana-de-açúcar. “Ele apresenta um desenho da banda de rodagem, um tipo de curvatura e quantidade de barras diferentes da configuração utilizada antes do estudo. O novo pneu possui mais desempenho em tração em relação aos anteriores, além de apresentar alta taxa de limpeza”, diz Zucato. A limpeza é o não acúmulo de terra e pedras entre as barras do pneu. “Chamamos a linha desses pneus que possuem baixa compactação de high flotation porque distribuem melhor o peso. Estamos preparando para lançamento em breve uma linha de pneus agrícolas que já terá também o conhecimento agregado em relação à compactação do solo.”
A parceria da Pirelli com a Unicamp mostrou assim vários benefícios. “Nesse tipo de estudo todos ganham, nós porque obtivemos um conhecimento que não tínhamos e acreditamos que a universidade obteve maior aprofundamento na área conhecida como terramechanics, ou terramecânica, que estuda a relação entre solo e veículos. Também dispusemos, porque a interação aconteceu dentro do princípio da inovação aberta, todos os dados para outros estudos ou empresas. A Petrobras, por exemplo, pode vir a ser uma beneficiária em relação ao contato entre cabos submarinos e o fundo do mar porque a interação com o solo é similar”, diz Costa. Um artigo científico está sendo preparado pelo professor Paulo Graziano para ser publicado em uma revista especializada.