Laboratórios quebram recordes

Nem as frequentes revisões para baixo das expectativas de expansão da economia para este ano reduzem o entusiasmo da indústria farmacêutica. Segundo elo mais importante da cadeia química brasileira, o segmento acumula ao menos dez anos de sucessivos aumentos no volume físico de vendas e nas receitas. Por conta desses resultados, e também graças a estímulos do governo federal, há uma crescente disposição de um conjunto importante de laboratórios de investir mais fortemente em áreas antes restritas apenas a alguns poucos no exterior. Uma estratégia que poderá mudar radicalmente o perfil dessa indústria daqui a dez anos.

O plano foca em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no país de drogas inovadoras, de maior valor agregado, um salto qualitativo em relação ao status quo atual, calcado na produção local de cópias de medicamentos criados no exterior. É uma evolução, aliás, que já está em curso. Ainda que lentamente, as políticas de P&D das empresas, principalmente as de capital nacional, vêm avançando para áreas mais complexas, como a de medicamentos biológicos — produzidos a partir células vivas —, que movimentam cifras próximas de US$ 160 bilhões por ano no mercado mundial e R$ 10 bilhões no Brasil, segundo informações do setor.

Tal tendência é fruto da rápida ascensão do mercado doméstico, que tende a ganhar mais e mais importância no cenário internacional. O Brasil deverá alcançar a quarta posição no ranking da indústria farmacêutica em 2016, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão. Um salto significativo, como observa Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria Farmacêutica no Estado de São Paulo (Sindusfarma), considerando-se que o país ocupava a 11ª colocação em 2003, com 33% de participação no bolo internacional, de acordo com indicadores do IMS Health, que audita as vendas globais do setor.

O investimento local em P&D promete reduzir a dependência atual do país da importação de insumos farmacêuticos e medicamentos mais sofisticados, que impacta as contas do comércio externo e pressiona gastos públicos e privados com saúde. Estudo da agência classificadora de risco Austin Rating mostra que em 2012, a balança comercial do setor apresentou saldo negativo de USS 6,63 bilhões, uma expansão próxima de 250% em relação a 2003. Na ponta do lápis: US$ 6,11 bilhões em importações e exportações totais que, mesmo crescentes (eram US$ 226 milhões, em 2003), somaram apenas USS 1,23 bilhão. O déficit com insumos farmacêuticos também incomoda: atingiu US$ 1,75 bilhão, com a entrada no mercado brasileiro de US$ 2,61 bilhões de importados.

Na avaliação de Felipe Queiroz, economista da Austin Rating, tais números demonstram a histórica falta de estímulos públicos para um setor vital e de alto risco. “A P&D exige investimentos às vezes até bilionários sem que haja qualquer garantia de que, ao final do processo, o laboratório conte com um produto para lançar no mercado. Para enfrentar esse desafio, as empresas querem compartilhar riscos, como ocorre nos grandes centros produtores da Europa e nos Estados Unidos”, diz ele. Em média, as multinacionais bem posicionadas investem entre 15% e 20% de suas receitas em P&D, ao passo que os maiores laboratórios brasileiros injetam entre 6% e 10%. Para Queiroz, o avanço sobre os biológicos deverá ao longo do tempo reduzir o déficit. “O trajeto é mais longo. Mas é um passo extremamente importante, porque valoriza o mercado doméstico e seus profissionais, atraindo investimentos e receitas.”

Só no período entre 2009 e 2012, enquanto os principais mercados mundiais enfrentavam estagnação ou retração, o número de unidades de medicamentos vendidas no país saltou 46,5% e o faturamento, 65%, lembra Queiroz, da Austin. Dados do Sindusfarma, baseados em pesquisas do IMS Health, mostram que o setor faturou RS 49,64 bilhões em 2012, quase 16% superior ao ano anterior. Em caixas vendidas, saltou um pouco mais de 10%, para 2,58 bilhões.

Todas as fontes ouvidas são unânimes ao afirmar que a maior parte dessa expansão na última década decorre, principalmente, do mercado de medicamentos genéricos. O segmento foi criado em 1999 e fechou o ano passado com 26,3% de participação no volume total de caixas de remédios vendidas e de 22,4% em valor. Telma Salles, presidente da Pró-Genéricos, que reúne laboratórios responsáveis por 90% das vendas do segmento, acredita que a expectativa é deter 30% do total de unidades comercializadas até o final do ano.

Os genéricos custam em média 35% menos do que os produtos de referência. Seus fabricantes investiram USS 800 milhões em linhas de produção e laboratórios de pesquisa, entre 1999 e 2012, e preveem aplicar mais US$ 1,5 bilhão até 2014.

(Com informações do Brasil Econômico)