Liberdade total para pesquisadores alavancou o Fenômeno Cambridge

A partir de 1960, a pequena cidade inglesa de Cambridge foi cenário de uma explosão tecnológica sem precedentes, que culminou com o surgimento de mais de 1.400 empresas de tecnologia, ciências da vida e serviços em torno da universidade local.

De acordo com Shirley Jamieson, diretora de marketing da Cambridge Enterprise, o chamado “o fenômeno Cambridge” – como ficou conhecido o processo de formação de uma das principais redes de pessoas e empresas inovativas do mundo – tem uma explicação simples: bons pesquisadores com muita liberdade para trabalhar.

Jamieson participou nesta terça-feira (4/6) da XIII Conferência Anpei, que se realiza em Vitória, entre os dias 3 e 5 de junho. De acordo com ela, a Universidade de Cambridge, que comemorou no ano passado seu aniversário de 800 anos, tem hoje o principal cluster de tecnologia da Europa. “Todos querem ver como uma cidade tão pequena conseguiu algo tão extraordinário”, disse.

Segundo ela, o alto nível da pesquisa realizada na universidade está subjacente ao cluster tecnológico de Cambridge. “Tivemos 89 pesquisadores que ganharam o prêmio Nobel, mais que em qualquer instituição do mundo. Além deles, podemos citar outras centenas de pesquisadores de Cambridge que mudaram o mundo expandindo efetivamente as fronteiras do conhecimento humano”, declarou Jamieson.

A tradição de pesquisa em Cambridge de fato impressiona. Os pesquisadores da universidade foram responsáveis por descobertas como a gravidade, o magnetismo, o elétron, o DNA e a propulsão a jato. Mas a partir de 1960, essa tradição passou a se refletir na criação de empresas.

“Hoje temos na universidade 10 empresas de mais de um milhão de dólares de faturamento, uma empresa de 10 milhões de dólares e uma empresa de 20 milhões de dólares. Esta última, a Arm, desenha chips que estão sendo usados por todos vocês em computadores, iPads e iPhones”, afirmou Jamieson.

De acordo com ela, 26% das pessoas que trabalham na área da Universidade de Cambridge atuam em indústrias intensivas do ponto de vista do conhecimento. “Esse número é o dobro da média britânica. Outra cifra interessante é que 71% dos nossos acadêmicos trabalham com padrões internacionais de excelência – um número superior ao de qualquer outra universidade. Mais de 80% das nossas empresas spin-out têm uma taxa de sobrevivência acima de três anos, o que também está acima da média nacional”, disse.

A explicação para o “fenômeno Cambridge”, segundo Jamieson, é simples: “o que nós fizemos foi recrutar os melhores pesquisadores do mundo e dar a eles toda a liberdade para seguirem sua curiosidade e fazerem o que querem. Essa liberdade é praticamente total, assim tornamos as coisas muito mais fáceis para os cientistas e inventores”, declarou.

“Em muitas instituições, o sistema de inovação parece uma plantação: há muitas regras, tudo ordenado, as ervas daninhas são retiradas, os canteiros são delimitados. Em Cambridge, o sistema é mais parecido com uma selva tropical: nós deixamos o caos acontecer. Sabemos que, se deixarmos a selva crescer sozinha, coisas inesperadas surgirão. Por isso nosso sistema funciona”, afirmou Jamieson.

De acordo com ela, a liberdade total para o pesquisador é o que garante a inovação. “Não temos limites de tempo para pesquisas, nem regras e regulamentos. Por isso inovamos tanto. Não dizemos aos pesquisadores quais são suas obrigações. Se o docente quiser, ele pode dedicar seu tempo a atividades de consultoria, trabalhar para empresas ou para o governo. Ou pode fundar uma empresa e ser parte dela. Não há regras. Queremos apenas que nossos docentes ensinem, pesquisem e publiquem no mais alto nível do mundo”, explicou Jamieson.

A Cambridge Enterprise, liderada por Jamieson, foi criada no fim de 2006, com o objetivo de comercializar os produtos e serviços desenvolvidos na universidade. “No começo da década de 2000, o governo estava investindo em pesquisa e queria uma política de propriedade intelectual. Naquela época, cerca de 3 mil pesquisadores de Cambridge debateram e votaram a aprovação de uma nova política de propriedade intelectual, que entrou em vigor em 2006, com a criação do nosso escritório de comercialização da inovação”, disse ela.

O objetivo da Cambridge Enterprise, segundo Jamieson, é garantir que a pesquisa seja convertida em inovação que vá beneficiar a sociedade, a economia, os inventores e a universidade – necessariamente nessa ordem. “Há investimentos que não estão trazendo lucro, mas estão salvando vidas e isso é considerado o mais importante. Em segundo lugar, como recebemos investimento público, é preciso que as invenções tragam crescimento econômico. Em seguida, é preciso recompensar os inventores, antes da própria universidade”, explicou.

No modelo de Cambridge, as primeiras 50 mil libras de receita conseguida com uma invenção são repassadas diretamente ao inventor. Se a receita chegar a 100 mil libras, o inventor fica com 90% e a universidade com o restante. Das 100 mil libras seguintes, 60% fica com o inventor, 20% com a universidade e 20% com o governo. Depois de 200 mil libras, cada parte fica com um terço da receita.

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