20 de maio de 2013 Parceria amplia a aplicação da computação na medicina
Pesquisas feitas pela Unicamp e pela Unioeste resultaram no registro de três patentes e três softwares
Texto: Alessandro Silva / Fotos: Antoninho Perri e Divulgação / Edição de imagens: Diana Melo
Cena 1 – Em Campinas (SP), médicos da Unicamp realizam exame com uma microcâmera para visualizar o intestino de um paciente (colonoscopia). De qualquer parte do mundo, pela internet, especialistas da área, até estudantes de medicina, acompanham tudo em tempo real e podem interagir com os profissionais que executam o procedimento por meio de áudio, vídeo e envio de mensagens de textos; e, como novidade em telemedicina, podem ainda, distante dali, capturar imagens que serão integradas ao laudo final e posteriormente analisadas – até este momento, somente a equipe responsável diretamente pelo exame podia extrair esse tipo de informação. Agora, é como se todos estivessem na mesma sala.
Cena 2 – O médico responsável pela colonoscopia escreve o laudo do exame que acaba de realizar e submete o texto a um novo programa que analisa automaticamente os termos técnicos presentes, a partir de uma base de dados previamente construída, e emite uma predição/recomendação que ajudará o profissional a construir o diagnóstico. Além disso, o próprio sistema ainda faz correlações com outros casos de pacientes incluídos em seu banco de dados, ajudando a identificar e a formular padrões que poderão ser úteis, no futuro, para o tratamento e a prevenção de doenças. Os dados obtidos e analisados pelo programa auxiliam o médico, pois se constituem em ferramenta de gestão do conhecimento.
Cena 3 – As imagens captadas no exame de colonoscopia, e transmitidas pela internet, “viajam” pela rede mundial de computadores protegidas por um gerenciamento de chaves de criptografia especialmente desenvolvido para assegurar a integridade dos dados. Uma pessoa não autorizada que pretendesse invadir o sistema, para ter acesso às imagens ou alterar o banco de laudos, levaria 10388 anos (sim, acrescente 388 números “zeros” depois do dez) para quebrar o código de segurança.
As três cenas ilustram as aplicações práticas de patentes e registros de softwares para a área de saúde, desenvolvidos por meio de pesquisas realizadas pela Unicamp e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), em uma fusão multidisciplinar de conhecimentos da medicina, biomecânica, inteligência artificial e comunicação de dados. Nos últimos três anos, a parceria entre as duas universidades resultou em três patentes e no registro de três programas (software) desenvolvidos para problemas específicos da área médica, todos obtidos com o apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp, da Reitoria da Unioeste e da Superintendência de Operação da Itaipu Binacional.
Os trabalhos envolveram pesquisadores das duas universidades ligados ao Laboratório de Bioinformática (Labi), da Unioeste, que existe desde em 2002, entre os quais o coordenador-geral do Gastrocentro da Unicamp, Cláudio Saddy Rodrigues Coy, docente do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM); o médico Wu Feng Chung, docente da Unioeste, especialista em biomecânica e professor participante da pós-graduação em cirurgia da Unicamp; a pesquisadora Huei Diana Lee, docente da Unioeste, especialista da área de inteligência artificial e coordenadora-geral do LABI; e o doutorando pela Unicamp Renato Bobsin Machado, formado em ciência da computação e docente da Unioeste.
Apesar de a pesquisa ter sido desenvolvida em torno de um procedimento, a colonoscopia, os métodos e os programas criados poderão ser adaptados para qualquer tipo de exame realizado por meio de captação de imagens de vídeo, como as diversas modalidades de endoscopias, a tomografia e o ultrassom, e até para a realização de cirurgias com videolaparoscopia (técnica cirúrgica minimamente invasiva, realizada com o auxílio de uma endocâmera no abdômen).
RELEVÂNCIA
A endoscopia digestiva foi escolhida para o desenvolvimento deste tipo de tecnologia em razão do grande número de indicações para estes exames. No Gastrocentro da Unicamp, em Campinas, por exemplo, são realizados mais de 8 mil procedimentos por ano. Nos Estados Unidos, anualmente, são realizados cerca de 40 milhões de exames de colonoscopias (50% desse número associado à prevenção de câncer no intestino).
Em breve, as inovações serão implementadas pela Unicamp e poderão ser disponibilizadas para a comunidade médica. Entre as vantagens associadas a elas, segundo pesquisadores envolvidos com os projetos e ouvidos pelo Jornal da Unicamp, podem ser destacadas a possibilidade de realização de treinamentos, aulas, conferências sobre casos de pacientes com especialistas em diversas partes do Brasil e do mundo, além do emprego em situações de emergência (quando especialistas e pacientes estão em locais diferentes), por exemplo. Até agora, profissionais até podiam acompanhar à distância procedimentos de exames, de um ponto remoto, mas sem a possibilidade de recolher imagens em boa qualidade, em tempo real, e até discutir/participar do procedimento como se o fizesse de fato.
Além disso, as ferramentas de mineração de dados, que realizam busca por palavras-chave e correlações com bancos de dados construídos com o conhecimento sobre doenças, podem ajudar os médicos a acelerar o diagnóstico e a “garimpar” dados que serão essenciais em diversas pesquisas científicas. Se comparado à economia, como ilustração, os programas e métodos criados são capazes de reunir inúmeros indicadores, realizar correlações entre eles (comparando com um banco de informações e com cenários diversos), predizer o que irá acontecer ou explicar o que está ocorrendo no momento atual, por exemplo.
“A grande vantagem dessa parceria [com a Unioeste] é o desenvolvimento de produtos para a área médica usando tecnologia que o médico desconhece”, explica o professor Cláudio Coy, coordenador-geral do Gastrocentro da Unicamp e integrante do Labi. Nas pesquisas mencionadas, a Unicamp forneceu a experiência para os programas e inovações desenvolvidos pelos pesquisadores da área de ciência da computação da Unioeste.
APLICAÇÃO
Na lista de novidades criadas a partir da parceria entre as duas universidades, há ainda o programa “H.Pylori-MINDSys”, que analisa parâmetros da endoscopia que poderão ajudar médicos a confirmar ou a descartar a presença da bactéria Helicobacter pylori, que no estômago causa gastrite ou úlcera. Na prática, a ferramenta pode eliminar a realização de biopsia, reduzir o tempo para o diagnóstico e auxiliar na diminuição dos custos do exame.
O SABI 2.0 (Sistema de Aquisição e Análise de Dados Biomecânicos), outro programa já registrado, pode ser apontado como o marco inicial do trabalho conjunto entre Unicamp e Unioeste. Essa ferramenta capta e processa, por segundo, três informações diferentes de um instrumento usado para avaliar a resistência de tecidos do intestino. O programa nasceu em uma das linhas de pesquisas da FCM, nos anos 90, sob a orientação do docente do Departamento de Cirurgia João José Fagundes, no trabalho do então doutorando e hoje professor Wu Feng Chung, da Unioeste e da Unicamp. O software apoiou um novo método de aferição de cicatrização de tecidos do intestino. Em sua segunda versão, o SABI é usado pela Unicamp e auxilia diversos pesquisadores em novos trabalhos na área experimental de suturas intestinais.
Segundo o professor Wu Chung, uma pessoa consegue fazer correlações entre, no máximo, oito e dez diferentes variáveis, enquanto uma máquina pode realizar inúmeras análises e combinações, dependendo de sua capacidade de processamento e dos especialistas que trabalham em seu banco de dados. “Nos próximos anos, os grandes avanços estarão ligados direta ou indiretamente à computação”, explica.
Mas por que essas correlações são importantes? “Para a descoberta de padrões e para a prevenção de doenças”, afirma a pesquisadora Huei Diana Lee, coordenadora-geral do Labi. Os dados coletados, tratados segundo o conhecimento de especialistas, podem ajudar a identificar os múltiplos fatores associados que contribuem, agravam ou causam doenças, ajudando os médicos a realizar a prevenção e o tratamento necessário. Entre outras aplicações, essas ferramentas podem auxiliar a confirmar por que determinados comportamentos e hábitos, por exemplo, favorecem o surgimento de certas doenças.
“Nosso desafio é aplicar conhecimentos tecnológicos para resolver problemas de saúde”, diz o pesquisador da Unioeste Renato Machado, coordenador da área de computação do Labi, que apresentará neste ano a tese de doutorado na Unicamp relacionado às patentes, produzida sob a orientação do pesquisador Wu Chung na pós-graduação da Unicamp. Já foram realizados testes da nova ferramenta, interligando o Gastrocentro, em Campinas, com a Unioeste, em Foz do Iguaçu (PR). As imagens são transmitidas em boa resolução para análise, segundo o autor do trabalho, e a partir de uma conexão de internet facilmente disponível (15 Mbps, por exemplo). A chave de segurança criada para garantir a integridade dos dados é gerada por meio de “mutações”, o que dificulta a ação de invasores.
A parceria com o Laboratório de Bioinformática prossegue. Um dos próximos trabalhos é aperfeiçoar a ferramenta de telemedicina, permitindo que o áudio captado durante o exame seja impresso diretamente. Outro trabalho irá permitir que laudos manuscritos sejam digitalizados para a inclusão de informações em bancos de dados informatizados, sem que seja necessário que alguém copie todo o texto no computador, palavra por palavra. No futuro, os programas de apoio à decisão médica poderão “aprender” com o uso diário dos especialistas.